quarta-feira, março 03, 2010

 
VISITE POR FAVOR O SITE COM O CATÁLOGO DAS
EDIÇÕES NELSON DE MATOS
EM
www.edicoes-nelsondematos.com

terça-feira, fevereiro 08, 2005

 

164 - NOVO ENDEREÇO EM: TEXTOS DE CONTRACAPA, 2

Por dificuldades de configuração deste template (dificuldades minhas, é evidente - quem me mandou a mim tentar mudar de template, agora, depois de velho...), estes TEXTOS DE CONTRACAPA extinguem-se com este post.
Perdi a paciência para tentar encontrar as razões pelas quais os Links, os Arquivos, etc., tudo o que deveria estar colocado na coluna da esquerda, foi parar irremediavelmente no final do blogue.
Continuarei, em velocidade de cruzeiro, num novo blogue, a que chamei: TEXTOS DE CONTRACAPA, 2.
Aqueles que quiserem manter o link (e o eventual interesse na leitura) apenas terão de lhe acrescentar um "2" (www.textosdecontracapa2.blogspot.com).
Obrigado

domingo, dezembro 05, 2004

 

163 - E FICOU TUDO DITO...


"Acreditei neste homem anos a fio mas tenho de concluir que me enganei. Não tem preparação para Primeiro Ministro e não tem lealdade para os amigos. A minha vida política acaba aqui. Vou sair de todos os lugares..."

Henrique Chaves, advogado, citado pelo Expresso de 04.12., pag. 6, texto intitulado "Enganei-me com ele..."


quarta-feira, dezembro 01, 2004

 

162 - ENTREVISTA SEMANÁRIO EXPRESSO

Nelson de Matos:
«Os jovens matam e comem os velhos»

Versão integral (reproduzida do Expresso Online) da entrevista concedida a José Pedro Castanheira e publicada na revista Actual de 27.11.2004.

Nelson de Matos rompe o silêncio e dá conta de uma profunda desilusão com a gerência da «sua» editora, a Dom Quixote/Grupo Planeta.
Ao fim de 23 anos como editor, Nelson de Matos saiu das Publicações Dom Quixote após um agitado contencioso que passou pelos tribunais. Com 59 anos, principal editor de literatura portuguesa, deu ao EXPRESSO a sua primeira grande entrevista depois de assumir o cargo de director da editora Âmbar - Ideias no Papel.

Alguma vez imaginou sair assim da Dom Quixote - uma editora que foi sua e que dirigiu durante 23 anos?
O que aconteceu entre mim e a gerência da Dom Quixote acontece por aí, hoje, infelizmente, em muitas empresas. «Os jovens matam e comem os velhos», costumava dizer-me Vergilio Ferreira citando Léon Chèstov.
As empresas já não valorizam a experiência?
Tem sido um facto natural, a substituição de pessoas experientes por outras mais jovens e atrevidas. A experiência, hoje, tem pouco valor. O problema está quando isso se mistura com uma ambição irresponsável, com um oportunismo traiçoeiro, com a total inabilidade nos procedimentos, tudo debaixo da capa de um sorriso hipócrita a tentar repetir-nos em voz baixa, «vejam lá como eu sou tão boa pessoa...».
Como foi a sua relação com os gestores espanhóis?
Após a venda da totalidade do capital da Dom Quixote (minha propriedade) ao Grupo Planeta, em 1999, continuei a exercer as minhas funções com os gestores espanhóis que foram sendo nomeados. Demo-nos sempre bem. São hoje amigos com quem me correspondo regularmente. Actuávamos com a exigência dos profissionais, mas sobrou-nos sempre a delicadeza, a simpatia, a boa educação.
Até que foi nomeado um gerente português...
Ao contrário dos anteriores, este decidiu afrontar-me, desrespeitar o meu trabalho, fazer a ponte com o oportunismo e a ambição de uns quantos trabalhadores da empresa, levar-me a uma situação insustentável, chegando ao ponto de mandar colocar-me um atabalhoado processo disciplinar para me despedir com justa causa... Pelo meio, decidiu também promover o afastamento da minha mulher, que era a directora de produção da Dom Quixote desde há mais de vinte anos. Aqui, a situação cheirou-me a «outros tempos» - quando eles iam para Peniche, elas eram despedidas nas fábricas... Achei então que não havia lugar para mais diálogos nem para a mínima cordialidade.
Deixa a Dom Quixote depois de 23 anos...
Isso é hoje um passado como outro qualquer. Desceu-se baixo de mais. Não há outra coisa a fazer senão deixar de pensar nisso. Repare, nem sequer me enviam os livros que os autores lá deixam assinados para mim...
Depois de tudo isto, está arrependido de ter vendido a Dom Quixote?

Nelson de Matos (à direita) com alguns dos seus autores: Fernando Dacosta, António Lobo Antunes, João de Melo, Lídia Jorge e José Cardoso Pires (da esq. para a dir.)

Não, não estou. Ao fim de trinta anos de profissão, aprendi muito nestes cinco anos. De facto, a experiência de um grande grupo internacional é uma coisa valiosa para nós, que estamos aqui um pouco afastados de tudo o que de importante acontece na Europa.
Tudo isto começou em 1980, quando comprou a Dom Quixote. Era uma editora média, que transformou numa das maiores editoras portuguesas.
Isso é verdade. Quando tomei contacto com a Dom Quixote, após o falecimento da Snu Abcassis (que eu tive o privilégio de conhecer, que muito estimava e que sempre considerei a fundadora da empresa), era uma pequena empresa, embora muito prestigiada, com uma marca e uma imagem de trabalho de qualidade.
Quantos livros editava por ano?
Editava, sei lá!, uns 30 livros por ano.
E quando saiu?
Editei isso, ou mais do que isso, por mês.
Curiosamente, o seu primeiro livro havia sido publicado pela Dom Quixote, em 1966.
Nessa altura, era um jovem de 21 anos, com ideias de ser escritor.
Apresentei esse livro, que se chamava «Noite Recuperada», a sete ou oito editoras, que me disseram que não e recusaram o livro. Até que o apresentei à Dom Quixote e tive uma resposta positiva.
À própria Snu Abecassis?
Sim. Fui, provavelmente, o primeiro autor de ficção da Dom Quixote.
Seguiram-se mais três livros de ficção e um ensaio de crítica literária. Curiosamente, creio que todos eles estão esgotados.
Sim, não há exemplares e eu próprio não consigo comprá-los.
O editor da Dom Quixote considerou que o Nelson de Matos autor não valia a pena ser reeditado?
Sim, achou isso. Conscientemente. À excepção do livro de crítica.
Não me diga que se envergonha do que escreveu?
Não me envergonho, mas são obras nitidamente juvenis, obras de quem começa...
Há quase trinta anos que não escreve!
É verdade. É completamente impossível regressar. Ou se é escritor uma vida inteira, ou não se é escritor. Todos os verdadeiros escritores lhe dirão isto.
Está-me a dizer que o ser escritor é uma profissão?
Ser escritor é um trabalho muito meticuloso, muito difícil, que exige um exercício permanente, uma constância, uma regularidade, e eu não me dei a esse trabalho. Para se ser escritor, para se fazer literatura, é preciso um trabalho de persistência, de rigor...
Oito horas por dia?
Se não são oito, são seis; se não são seis, são quatro... Mas é preciso escrever todos os dias e de uma forma muito consciente.
Começou a sua actividade de editor em 1974, na Arcádia, que estava encostada a um grupo financeiro onde trabalhava - você era funcionário da companhia de seguros Império.
Tive, aliás, a sorte de ter um administrador nessa companhia de seguros que gostava de música e literatura, chamado Luís Barbosa, que mais tarde apareceu na política através do CDS. Um dia disse-me: «Olhe, você que tem a mania das literaturas, tome lá uma editora e vá tomar conta dela.» Despejou-me dos seguros para uma empresa acessória, que era a Arcádia. Aí começou a minha actividade futura de editor.
Qual foi o seu maior sucesso na Arcádia?
Quando eu cheguei, a Arcádia acabava de ter o seu maior sucesso. Chamava-se «Portugal e o Futuro», do general Spínola.
Foi um «best-seller»!
Fui ainda gerir os efeitos desse sucesso. Aliás, convivi ainda com o general Spínola nesse sentido, cheguei a ir a casa dele, em Massamá. Porque ele emendava e revia as provas das reedições, introduzia emendas, etc.
Nessa aventura do «Portugal e o Futuro», você foi o braço direito do editor da Arcádia...
... Paradela de Abreu, hoje já falecido. Mas convivi na Arcádia com uma pessoa muito interessante, que foi a Natália Correia, que era a directora literária. Eu estava acima dela, porque representava o accionista, mas não se pode estar acima da Natália Correia, no dia a dia. Só se podia olhar para ela com admiração.
Editaram quantos exemplares? Duzentos mil?
Já não me lembro bem, mas foi qualquer coisa parecida.
Há algum livro, desde então, em Portugal e de autor português, que tenha vendido tanto?
Creio que o Saramago pode atingir hoje esses números. Estamos a falar de anos muito distintos e de taxas de leitura felizmente bastante diferentes.
Lê-se mais agora...
Sem dúvida, sem dúvida.
Ao contrário do que por vezes se ouve dizer.
Isso porque os editores gostam de se lamentar. Logo a seguir ao general Spínola, a Arcádia editou - e aí, já sim, por meu intermédio -, pela primeira vez em Portugal, um livro de um jovem político chamado Mário Soares, e que se chamava...
... «Portugal Amordaçado».
Acompanhei desde o princípio a feitura do livro com o Dr. Mário Soares, indo a sua casa, vendo as provas, etc. Recordo-me de que ia a sua casa, no Campo Grande, ao fim da tarde. O Dr. Soares estava sentado numa poltrona, descontraidamente, e apontava-me, à sua frente, aquele pufo onde, quando estaria sozinho, ele estenderia os pés e descansava as pernas ao fim do dia... Eu sentava-me quase no meio das suas pernas, no pufo, e ficávamos ali, frente a frente... Ele hoje provavelmente nem se lembra disso, mas eu nunca mais esqueci a primeira vez que lá fui e fiquei sentado aos seus pés.
Na altura, ele era ministro dos Negócios Estrangeiros, suponho.
Talvez.
Editou Spínola, Mário Soares... Mais algumas figuras cimeiras da política?
Não. Conheci pessoalmente Sá Carneiro e Álvaro Cunhal, mas nunca publiquei livros seus.
Seguiu-se a Moraes, a convite...
... do Pedro Tamen, que entretanto tinha sido convidado para a administração da Fundação Gulbenkian e que quase me passou a editora como herança.
Como é que se conheciam?
Conhecíamo-nos das letras. Eu andava próximo das pessoas dos jornais, dos poetas, dos escritores, dos editores. Era o meu mundo desse tempo.
Frequentava o Monte Carlo...
Sim, sentava-me à mesa onde se sentavam o Carlos de Oliveira, o José Gomes Ferreira, o José Cardoso Pires, para os ouvir. Assim como faziam outros jovens da minha idade - recordo-me do Nuno Júdice, do Gastão Cruz... Sentávamo-nos ali para os ouvir. Eles discutiam política, literatura, falavam de livros - livros que a gente depois ia procurar ler. Admirávamos aqueles homens e respeitávamo-los de uma maneira muito vincada.
Você iria buscar muita gente dessa tertúlia para as suas editoras.
Claro, quando cheguei à idade e à situação de poder ser eu a convidá-los e desafiá-los, foi isso que fiz. Naquela altura, havia alguns editores respeitáveis, mas havia outros que o não eram. Eu quis dar aos autores que amava e respeitava um trabalho, do lado da edição dos seus livros, que correspondesse à admiração e ao respeito que lhes tinha.
Houve algum editor que tivesse funcionado como uma espécie de modelo? Que o inspirasse?
Houve muitos homens que trabalharam na edição e que...
Quer mencionar alguns?
O Rogério de Moura, o Francisco Lyon de Castro de então, o Manuel Rodrigues de Oliveira, o Manuel Dias de Carvalho, entre outros, que tinham da sua profissão o lado da seriedade, da entrega ao trabalho do autor - porque o editor está ali para servir e dar a voz ao trabalho do autor.
Quando chegou à Moraes, em 1976, já estava em decadência.
Já, mas era uma editora extremamente simpática e que correspondia, na perfeição, àquilo que era o meu objectivo desde sempre: era uma editora de autores portugueses. Tinha uma colecção de poesia portuguesa que era assinalável: Sophia de Mello Breyner, Jorge de Sena, o próprio Pedro Támen, António Ramos Rosa, Ruy Belo, tantos poetas importantes e que eu tive a felicidade de acompanhar. E depois teve, chamados por mim, um conjunto de outros escritores, como o José Gomes Ferreira, o José Cardoso Pires, o José Saramago e muitos outros. A Moraes foi o meu primeiro grande ensaio, valioso ensaio. É uma pena ter interrompido o seu percurso.
Tinha uma livraria simpatiquíssima...
... com um livreiro excepcional, o Edmundo, e que foi um excelente companheiro de trabalho. Era uma editora que, de facto, correspondia inteiramente àquilo que eu pensava da edição e àquilo que eu queria fazer. Foi o meu primeiro ensaio para trabalhar com autores portugueses. Desde essa altura que há uma frase que eu repito em todo o meu percurso: não faz sentido ser editor em Portugal de costas voltadas para a produção cultural nacional. Foi aí que começou a minha relação com o José Cardoso Pires, o José Gomes Ferreira, o Nuno Bragança, a Maria Velho da Costa, o Saramago, com quem tive um acidente...
Na Moraes, tinha reuniões com um administrador que andava armado...
Essa é uma história engraçada, ocorrida durante o Verão Quente. A Moraes pertencia a O Século e foi apanhada pela agitação que se verificou dentro do jornal «O Século». Como accionista da Moraes, O Século tinha direito a nomear um administrador: o sr. Pinto. Não me lembro do seu nome, era o sr. Pinto, que chegava às quintas-feiras para a reunião de administração. Trazia uma pasta de mão e, dentro, uma arma. Chegava, punha a pistola em cima da mesa e dizia: «Ora vamos lá ver o que é que você tem aí para publicar!»
A reunião era a dois?
Éramos os dois da administração - talvez ele fosse o presidente, já não sei. Discutíamos então a programação e os problemas da editora com uma pistola em cima da mesa. Estas histórias existiram por todo o lado.
O que é feito do sr. Pinto?
Não faço ideia. Sei que o sr. Pinto pertencia ao MRPP, que era um partido que muito influenciava a vida de «O Século» nessa altura.
Estamos, portanto, perante um quadro «proletário» que achava que você era um «social-fascista»...
Exactamente. Para o sr. Pinto, eu era um social-fascista e confrontávamo-nos nessa situação. Não sei quem é hoje o sr. Pinto. Era um senhor de barbas, forte...
Você também tem barbas...
Mas a barba dele era maior... Apesar da pistola e da consideração de que eu era um social-fascista, não me lembro de termos tido nenhum grande desacordo. Fomos sempre educados.
Não foi devido à pistola que você não editou o Saramago?
Não, não. A história do Saramago é posterior. Mas houve outra história na Moraes muito engraçada, quando me apareceu alguém dizendo que era um operacional do ELP.
O Exército de Libertação de Portugal, de extrema-direita...
... pura e dura, envolvido no bombismo, etc. Apareceu-me com um pacote de cartas do Eça de Queirós. Isto, após eu ter publicado o romance inédito do Eça, «A Tragédia da Rua das Flores», que foi um acontecimento editorial naquela altura. Era o primeiro livro do Eça inédito que se publicava ao fim de tantos anos.
O que queria esse fulano do ELP?
Aproveitando essa situação sobre o Eça, queria-me vender aquelas cartas.
Alegadamente inéditas.
Inéditas e verdadeiras. Tive o cuidado de chamar um especialista em Eça de Queirós, o arquitecto Campos Matos, que me explicou que as cartas eram verdadeiras, dirigidas ao conde de Arnoso e pertencentes, portanto, à família e sucessores do conde de Arnoso - ou seja, hoje, à família Espírito Santo. A posse das cartas, portanto, era indevida.
Eram roubadas?
Posse indevida - não vou acrescentar mais. Contactei a família Espírito Santo e consegui estabelecer um acordo, em que pus o senhor do ELP numa sala ao lado do meu gabinete e o representante da família Espírito Santo noutra sala. O meu gabinete tinha duas portas e eu servi de pombo-correio. Consegui que a família Espírito Santo reavesse este conjunto valiosíssimo de correspondência inédita do Eça de Queirós.
A troco de?
Seria indelicado ir até esses pormenores. Digo apenas que, como prémio deste esforço negocial (em que eu me senti como ministro dos Negócios Estrangeiros...), obtive uma carta do patriarca da família, o Sr. Ricardo Espírito Santo Silva, dizendo que, se alguma vez pensassem publicar aquele material inédito do Eça, o fariam comigo. Essa promessa ainda hoje subsiste.
Onde estão essas cartas?
Estão em poder da família Espírito Santo. É um espólio volumoso e valioso. O arquitecto Campos Matos explicou que houve uma grande troca de correspondência entre o Eça e o Conde de Arnoso.
Quem era esse fulano do ELP?
Não lhe sei dizer o nome. Sei apenas que me ofereceu uma pequena estatueta, também em retribuição, esculpida em pedra, que eu suponho roubada de uma sepultura - tem todo o ar disso. Ainda hoje a conservo.
Como é que, ao fim de trinta anos, um espólio desses ainda não foi publicado?
Não faço ideia. Não foi por falta de interesse do editor. Mas também foi, no sentido em que eu nunca mais insisti, porque entretanto a Moraes acabou e eu fui fazer outras coisas para a Dom Quixote.
Esse compromisso permanece válido?
Conservo essa carta, assinada pelo Sr. Ricardo Espírito Santo Silva, escrita de Londres. De resto, ele era familiar da actual ministra da Cultura, que conhece esta história, uma vez que chegámos a conviver de perto quando ela era esposa do António Lobo Antunes.
Vai ser um dos seus primeiros projectos na Âmbar?
Certamente que não.
Quando tomou conta da Dom Quixote, levou consigo grande parte do catálogo da Moraes...
Sim. Quando a Moraes acabou, muitos escritores ficaram desprotegidos e vieram comigo para a Dom Quixote.
Li algures que, quando pegou na Dom Quixote, os seus únicos autores portugueses de nomeada eram a Natália e o David Mourão-Ferreira.
É verdade.
Hoje em dia, alguém disse que os únicos grandes autores portugueses que não estão na Dom Quixote são o Saramago e a Agustina. Concorda?
Concordo, mas se calhar estamos a esquecer alguns autores.
Saramago era impossível, depois do que acontecera na Moraes. E Agustina? Tentou alguma vez trazê-la?
Tentei por várias vezes, chegámos a ter conversas a esse respeito. Mas a Agustina tem também uma relação muito próxima com o seu editor e eu não forço essas situações para além de certos limites. Não sou um editor que diga que em concorrência vale tudo.
Que autores foi conquistando para a sua editora?
O João de Melo (da Assírio & Alvim), a Lídia Jorge (Europa-América), o Cardoso Pires (O Jornal), o Lobo Antunes (Vega), o Pepetela (Edições 70)... E depois os novos que foram aparecendo, como a Inês Pedrosa, a Mafalda Ivo Cruz, o Pedro Rosa Mendes, a Ana Zanatti - e esquecerei muitos outros, que se calhar se vão zangar comigo...
Há quem explique grande parte do seu sucesso como editor pela relação de fidelidade que estabelece com os seus autores. Essa fidelidade manifestou-se ao longo deste contencioso?
O apoio dos autores foi praticamente unânime. Todos manifestaram as suas preocupações perante os acontecimentos, a sua amizade, evidenciando devidamente o peso do trabalho realizado ao longo de tantos anos. Não tinham que tomar partido, mas alguns fizeram-no publicamente, outros preferiram não o fazer de um modo muito evidente. Havia que ter algum cuidado, compreende-se perfeitamente. Mas todos quiseram, cada um à sua maneira, directamente, manifestar-me o seu apoio pessoal, a sua simpatia, o seu apreço pelo meu trabalho, agradecendo o que alguns consideravam «que me deviam» e não desejavam nunca esquecer... Mas um escritor nunca «deve» nada a um editor... o editor apenas faz o trabalho que deve fazer. É este que deve ao autor a felicidade de confiar nesse trabalho.
Entre os «seus» autores, a única excepção foi...
... o António Lobo Antunes, que imediatamente apoiou a nova gerência, sem sequer me ouvir, sem sequer falar comigo.
Uma autora que você recusou foi a Margarida Rebelo Pinto.
Isso é conhecido. Ela gaba-se de ter sido recusada tal e qual como o Saramago. Costuma dizer isso por graça (eu também acho graça) e corresponde a uma meia verdade. À Margarida Rebelo Pinto não recusei nos mesmos termos do Saramago - embora, como disse, no caso do Saramago não tenha sido uma recusa, mas um pedido de escusa. Eu li o seu primeiro livro, «Sei Lá», achei que tinha algumas qualidades mas uma escrita descuidada e dei-lhe alguns conselhos sobre correcções a fazer; pedi-lhe que fosse para casa, que trabalhasse e reescrevesse o livro. Ela, com a sua força de juventude, achou que os meus comentários não tinham grande importância e publicou o livro tal e qual estava.
Já a Mafalda Ivo Cruz aceitou as suas sugestões.
Sim, com a Mafalda foi muito interessante. E isso é uma das coisas muito compensadoras da vida de um editor, esse trabalho que se faz com os autores.
Os seus conselhos e sugestões são tidos habitualmente em conta pelos seus autores, mesmo pelos mais consagrados?
Nunca contabilizei muito essa situação. Para mim, é um facto natural atrever-me a discutir com um autor. Desde o José Cardoso Pires, com quem discuti um título ou algo semelhante. Muitas vezes, o autor não aceita - tem todo o direito de não aceitar, a última palavra é dele.
Cardoso Pires aceitava?
Aceitava falar e discutir. Às vezes explicava porque é que insistia em manter aquela solução; outras vezes dizia, com naturalidade, «bom, vou tomar nota e vou ver». O que importa é esse trabalho de repartição, de o escritor sentir-se apoiado no seu editor, enquanto um leitor treinado, experiente e até com certa autoridade.
Lobo Antunes aceitava?
Sim, também. Fiz-lhe alguns comentários relativamente a alguns livros. Aceitava muito pouco esses comentários, mas isso por razões que têm a ver com uma grande precisão que ele põe nas palavras que utiliza e ser-lhe-ia difícil a alteração.
Quase todos os grandes nomes da poesia portuguesa estão também na Dom Quixote.
Nós somos um país de poetas! Eu já tinha convivido de muito perto com os poetas. Fui grande amigo do Ruy Belo, cheguei a conhecer o Jorge de Sena, na Moraes conheci de perto muitos dos poetas portugueses que publiquei. Foi aí que publiquei, pela primeira vez, o Manuel Alegre, depois do 25 de Abril. Sou um leitor regular de poesia e um poeta frustrado, ou seja, gostava muito de saber escrever poesia.
Tem alguma coisa na gaveta?
Não, não. Escrevi poesia nos tempos do «Diário de Lisboa Juvenil», quando era dirigido pelo Mário Castrim.
O prestígio e a qualidade da Dom Quixote avaliam-se também pelos prémios ganhos pelos seus autores.
Sim. Quase todos os grandes prémios literários importantes em Portugal têm sido atribuídos, nos últimos anos, aos autores da Dom Quixote.
O Prémio da APE...
... o da APE, o do Pen Club, o Prémio Vida Literária, o Prémio Camões, o Prémio Máxima de Literatura, o Prémio Fernando Namora, eu sei lá!
Para além dos prémios, há também as traduções no estrangeiro.
Isso é outro trabalho importante que os editores fazem, que é o de promover os seus autores junto de agentes literários, aliciar e seduzir esses agentes e as editoras estrangeiras a pegarem nos nossos autores e a publicá-los.
Tem tido muito sucesso?
Neste momento, pode dizer-se que não há autor da Dom Quixote que não esteja publicado em vários países. Na maior parte dos casos, isso deve-se a um trabalho meu.
O crédito é mais do editor do que do autor?
O crédito é comum, porque, se estivéssemos a falar de maus livros ou de maus escritores, nada disto se conseguiria.
Sim, mas o trabalho de campo...
... é do editor: é apresentar o seu escritor, defendê-lo, explicá-lo nos outros países.
Nos últimos anos, a Dom Quixote passou a publicar também livros da chamada literatura «light». Foi uma opção de carácter empresarial e financeira?
Deveu-se ao que é hoje inevitável no mundo editorial. Surgiram novas faixas de leitores, que também há que abastecer.
Não foi uma cedência da sua parte?
É claro que é uma cedência, não escondo isso. Que, em teoria, eu justifico dizendo que é muito importante que as pessoas leiam seja o que for que leiam. E que, através da leitura, vão conquistando a capacidade de seleccionar. Recordemos o que se passou connosco quando começámos a ler na juventude, que líamos o que nos punham à frente: quer histórias de amor, quer livros policiais. Progressivamente, foram essas leituras que nos foram ensinando a seleccionar as futuras leituras que fomos tendo.
O que é importante é ler?
Exacto, mesmo coisas de menor qualidade.
Mesmo lixo?
Mesmo lixo. Você se calhar também lê lixo, quando pega em tantos livros e depois põe de lado. O que importa é que o convívio com os livros seja cada vez mais livre e mais informado da parte do leitores. Não lhe escondo, evidentemente, que, tendo aparecido novas faixas de leitores nessa área mais ligeira, esses livros também são uma forma que as editoras, que são empresas comerciais, encontram de diversificar a sua actividade e de ir buscar compensações para os livros que se lêem menos.
Publicou alguma coisa verdadeiramente lixo de que se tenha arrependido?
(Silêncio) A minha memória não me acusa de nada de que eu tenha assim uma grande vergonha.
E agora pergunto-lhe o contrário: quais os trabalhos de que mais orgulho tem, como editor?
Se eu lhe disser que foram tantos, estou a ser vaidoso.
Mas diga-me alguns.
A decisão de, no início da Dom Quixote, ter feito uma aposta numa tiragem de 30 mil exemplares num romance de José Cardoso Pires, chamado «Alexandra Alpha», contra a vontade do próprio autor, que me chamou louco por dezenas de vezes, mas que depois se surpreendeu quando, um ou dois meses depois, estávamos a reeditar esse livro.
Era uma altura em que Cardoso Pires atravessava uma crise de autoconfiança.
Exactamente. Ou de ter dito ao Manuel Alegre, quando ele me entregou o original da «Senhora das Tempestades», que ia fazer quinze mil exemplares. Também ele se surpreendeu - e reeditámos a obra. Quinze mil exemplares como tiragem inicial de um livro de poesia era qualquer coisa impensável em Portugal.
Qual foi o livro de poesia que vendeu mais?
Talvez a «Senhora das Tempestades», talvez a obra completa de Manuel Alegre, que já teve várias edições. Ou talvez, lá para trás, o «Poeta Militante», do José Gomes Ferreira, no tempo em que ele estava vivo e os seus livros eram um sucesso. Mas nem são os projectos que vendem muito ou têm grandes tiragens que são importantes na vida de um editor. Fico contente se um livro for discutido pela sociedade, mesmo que essa discussão seja negativa relativamente ao livro.
Qual foi o livro que editou que provocou maior polémica?
(Silêncio)
O do Rui Mateus, «Contos Proibidos»?
Ah, sim, certamente. Foi o mais atrevido. Vendeu trinta mil exemplares no dia do seu lançamento. Teve todas as coberturas - não houve nem jornal, nem rádio, nem canal de televisão que não ocupasse uma grande parte do seu tempo com este livro. Foi um livro que me causou bastantes dificuldades pessoais.
Pressões? Ameaças?
Não digo pressões nem ameaças, mas mal-estares, comentários negativos. Algumas pessoas manifestaram o seu desgosto por eu ter tomado a decisão de o publicar. A todos expliquei que o livro existia, tratava uma questão importante, tinha revelações importantes e procurava ser sério ao ponto de as provar. Desse ponto de vista, achei que o livro merecia ser discutido na sociedade - e a sociedade que o recuse, o queime ou faça o que entender. Ou seja: eu não sou um censor!
Aos 59 anos (acabados de fazer) e depois de ter passado por três editoras, qual é o seu projecto na Âmbar?
É um desafio. Eu tive a felicidade de, no meio destas tristezas e desaires que constituíram o encerramento da minha relação com a Dom Quixote, me ter surgido o desafio que a Âmbar me fez. É um desafio corajoso da parte deles. Trataram-me com uma grande gentileza e simpatia, como que a querer compensar e limpar as minhas feridas. Desse ponto de vista, foram verdadeiramente excepcionais - vieram limpar as minhas chagas e dar-me vida de novo, sem me deixar amachucar. E eu enchi-me de coragem. Talvez eu consiga voltar atrás, talvez eu consiga fazer de novo um projecto editorial similar, visto que não sei fazer outra coisa. Ou seja: reunir autores nacionais e alguns autores estrangeiros de qualidade, tentar pesquisar áreas do conhecimento e do saber, provocar a sociedade com alguns livros mais polémicos. Confesso que não sei se conseguirei, se tenho forças...
Tem condições, do ponto de vista empresarial?
Dão-me condições para isso e dão-me total liberdade e independência. Criaram-me condições para que eu ficasse em Lisboa, onde vou ficar instalado e bem instalado.
Qual é o seu primeiro projecto?
Não tenho nenhuma revelação para fazer neste momento. A única coisa que estou a fazer é definir o projecto editorial, globalmente, com a equipa da Âmbar.
Vai levar muitos autores da Dom Quixote?
Não digo que isso não possa acontecer. Não vou procurá-lo. O que a Âmbar deseja é autores portugueses, apresentados por autores portugueses, livros portugueses nos seus diversos domínios.
O que é, afinal, a sua aposta de sempre!
Vai ser uma aposta forte e muito entusiasmada. Sinto que tenho uma alma nova e tenho todo o gosto em retribuir, com a minha eventual experiência adquirida, aquilo que a Âmbar me tentou dar num momento menos bom do ponto de vista pessoal.
ENTREVISTA DE JOSÉ PEDRO CASTANHEIRA - FOTOGRAFIAS DE JOÃO CARLOS SANTOS

António Lobo Antunes e Nelson de Matos.
O fim de 23 anos de amizade e trabalho em comum

Consta que António Lobo Antunes ainda não teve uma palavra para o seu (ex-) editor.
É verdade. Lobo Antunes apoiou desde o início, sem procurar conhecer qualquer «contraditório» (como agora se diz), a actual gerência da editora. Fez o que achou que devia ter feito. Não lhe sobrou para mim, durante todo este processo, uma única palavra de amizade. Já não falo, evidentemente, de qualquer eventual solidariedade.
Foram amigos durante muitos anos, conhece-o bem. Como explica o seu comportamento?
António Lobo Antunes é um dos nossos grandes escritores, ninguém terá dúvidas a esse respeito - eu não tenho. Mas, como todos os grandes escritores, é uma personalidade complexa. «Um livro escreve-se com a mão, não com a cabeça» - disse ele em entrevistas recentes. O que implica evidentemente um treino apurado para a mão. Distinto do da cabeça - e certamente também do coração... Dos seus 25 anos de escritor, recentemente comemorados, 23 foram passados comigo, lado a lado, estreitamente, cruzando muitos aspectos decisivos das nossas vidas - pessoais e profissionais. Um longo casamento - como ele próprio dizia e escreveu. Recordo todos esses anos com saudade e muita amizade. Foram 23 anos de trabalho duro, para atingir o que hoje se atingiu. Muitas coisas importantes ficaram a ligar-nos. Vinte e três anos são vinte e três anos, não se apagam facilmente. Leia-se o livro de Maria Luísa Blanco, «Conversas com António Lobo Antunes», e o que lá está escrito em muitas das suas páginas. Pelo menos até que, em próximas edições, seja branqueado o que lá está - como acontece na «Fotobiografia» recentemente publicada...
Onde o seu editor é simplesmente ignorado.
Nem o editor, nem o amigo de 23 anos... António nem sequer me enviou este seu novo romance, apesar de eu ainda o ter lido em original e ter acompanhado todo o período do seu trabalho de escrita. E de lhe ter até enviado um breve comentário escrito a meio dessa primeira leitura.
Magoado com Lobo Antunes?
A vida de um editor também é feita destas coisas... Passemos adiante, voltemos a página... fico dispensado de ir a Estocolmo.

O editor que recusou publicar Saramago

Quando estava na editora Moraes, você censurou, entre aspas (no sentido em que não publicou), o terceiro original de José Saramago.
Nós não temos a mesma leitura dos acontecimentos, porque o Saramago conta isso de uma maneira e eu conto de outra. Peço desculpa ao Saramago por considerar que ele conta mal, porque ele acha que existiram influências sinistras por trás da minha decisão. E a verdade é que não existiram influências sinistras nenhumas, foi uma coisa bastante mais prosaica. Ou seja: eu publiquei dois livros do José Saramago...
A saber?
Um livro de contos, que se chamava «Objecto Quase», e um romance, chamado «Manual de Pintura e Caligrafia».
O terceiro é que não. Qual era esse terceiro?
Era o «Levantado do Chão», que o Saramago me apresentou, que eu li, e de que gostei - nada a dizer sobre o livro...
E que eu, pessoalmente, acho que é um dos melhores livros do Saramago...
Exactamente, é verdade, é um excelente romance. Mas nessa altura a Moraes estava no fim.
Falida?
Exactamente. Os livros anteriores do Saramago não tinham vendido. Ele tinha estado no «Diário de Notícias» e estava a atravessar aquele período negativo posterior, muito marcado politicamente. Tive que lhe dizer: «José, fiz duas experiências, não resultaram, lamento não ter condições para poder fazer a terceira.» E não publiquei. Esse livro, por coincidência e por felicidade - e digo-o sem nenhum um rancor...
... foi a explosão...
... foi o início da explosão de Saramago e do seu sucesso futuro. Portanto, passei a ter no meu «curriculum» de editor o ter recusado publicar um futuro Prémio Nobel.
Foi o único editor que se recusou a publicar Saramago em Portugal?
Sim, porque ele mudou-se imediatamente para a Caminho, que tem sido a sua editora. Não sei se teve outras recusas antes de mim, provavelmente teve.
Essa é uma nódoa inapagável!
E não é a única! Na vida dos editores, essas coisas acontecem com relativa frequência: o não se apostar num autor e ter uma grande surpresa.
Ficou surpreendido quando Saramago ganhou o Nobel?
Fiquei surpreendido, claro, porque um Nobel nunca se espera. Quando me disseram, eu estava em Frankfurt, no meio de uma reunião. Claro que fiquei contente. Mas foi mais um contentamento do que uma surpresa.
Voltou a dizer a si próprio «que grande estúpido que eu fui!»?
Sim... Lembro-me que, depois, estive com o Saramago, sentado, no «stand» da Dom Quixote, num momento de descanso, já depois de ser Nobel. Estivemos a falar e divertimo-nos um pouco com essa situação.
Não ficaram sequelas entre os dois?
Da minha parte, nunca. Da parte do José Saramago, creio que ele teve desgosto com essa situação e suponho que nunca me perdoou ou entendeu esse gesto. Sempre relatou isso como se eu tivesse tido pressões para não o editar. E isso não é verdade.
Que tipo de pressões?
Políticas, empresariais, eu sei lá.
Mas vocês pertenceram ao mesmo partido, ainda por cima.
Sim, sim, sim.
Nessa altura, você ainda estava no PCP?
Ainda estava, o que mostra o absurdo da situação.
Mais uma razão para ele ficar magoado!
Exactamente. Saramago vivia um momento muito difícil, em que estava acossado, perseguido. Ele esqueceu-se que eu o apoiei nesses momentos difíceis, até do ponto de vista financeiro, com trabalho de tradução que nunca lhe faltou e que sempre lhe dei através da Moraes, onde há imensos livros traduzidos por Saramago. Ele estava muito magoado e tudo o que lhe acontecia de mau, para ele, vinha de pressões, de ajustes de contas - mas nesse caso nada disso se passou.
Aderiu ao PCP quando?
A seguir ao 25 de Abril. Cheguei a ser responsável por uma coisa chamada «célula dos editores», imagine. Existia uma grande actividade cultural em torno do PCP.
Quem era o seu controleiro?
Não, eu é que era o controleiro da célula; em cima, prestava contas, digamos assim, a um jovem que não era escritor mas que veio a ser, chamado Mário de Carvalho. Nessa altura, o PCP tinha os intelectuais todos do seu lado. Depois, todos nós começámos a confrontar-nos com dificuldades. E cada um, por razões diversas, foi-se afastando.
Quando é que se afastou?
Nem eu lhe sei dizer, mas não muitos anos depois. Não foi um convívio muito largo. Mas é uma parte da minha vida que eu continuo a respeitar.
Não houve, portanto, uma ruptura.
Foi o deixar de ir, o deixar de aparecer, o deixar diluir, sem nenhum conflito, espectáculo ou cena.
Ainda se sente situado na esquerda?
Evidentemente. Continuo a ser um homem de esquerda, mas já numa outra área da esquerda.
Mas o que é que distingue um editor de esquerda de um editor de direita?
Não sei, não sei. Eu procuro dar voz a valores culturais que têm a ver com o pensamento e a reflexão, sem os classificar como de direita ou de esquerda. Não pergunto a ninguém se é de direita ou de esquerda para publicar um livro - publico-lhe o livro se ele tem importância enquanto tal, independentemente de o autor ser de direita ou de esquerda..
Quem o levou para o PCP?
Já não me lembro bem.
Ou não quer dizer?
Foram certamente escritores e gente da área da cultura.


terça-feira, outubro 12, 2004

 

161 - A Costa dos Murmúrios

Fui hoje ver, em sessão privada, o filme de Margarida Cardoso (produção Filmes do Tejo), extraído do romance A Costa dos Murmúrios, de Lídia Jorge.
Excelente interpretação de Beatriz Batarda. Total respeito pelo "clima" do livro.
Recomendo que não percam.



segunda-feira, outubro 11, 2004

 

160 - Eça de Queirós

"Este governo não cairá porque não é um edifício;
sairá com benzina porque é uma nódoa."
Eça de Queirós

sexta-feira, outubro 08, 2004

 

159 - Entrevista à revista "Magazine Artes"

Transcrevo o texto de uma entrevista concedida à revista "Magazine Artes", nº 22, Outubro de 2004.
As perguntas foram do Carlos Pinto Coelho.
1. A edição do livro faz-se, actualmente, com uma abundância de produção que excede a procura. Vale a pena continuar a afrontar essa evidência com a quantidade de títulos que saem por ano em Portugal ?

R. Não sei como responder... Sou de uma geração que ama os livros, que aprendeu tudo, ou quase tudo, com os livros. Às vezes até a vida, nós aprendíamos nos livros - impossibilitados que estávamos, por esses tempos, de a viver na realidade.
Falar em abundância, quando se fala de livros, num país que não lê muito, choca-me um pouco, confesso.
Mas sou obrigado a reconhecer que é verdade, que se produzem muitos livros, que se produzem muitos livros que ninguém lê, em quantidades que são excessivas relativamente à sua procura, que os elevados stocks imobilizados são hoje o grande sufoco das editoras, com os elevados custos da sua armazenagem, do seu manuseamento, da sua movimentação sob a forma de escassas unidades, do seu ir e voltar das Livrarias, etc., etc.
Por outro lado faltam-nos muitos livros... livros que fazem parte do nosso património cultural, que não existem, que deveriam estar disponíveis, que deveriam estar a ser recomendados para leitura, que deveriam ser permanentemente re-lidos.
E há ainda o lixo... que de há uns anos para cá invadiu também o nosso mercado, como em todos os outros mercados. Os livros que se fazem em grandes quantidades, que se vendem em grandes quantidades, promovidos largamente por uma certa comunicação social, a maior parte das vezes autênticas agressões aos padrões mínimos da qualidade, estropiando a língua, o pensamento, o nosso bom-gosto (não estou a referir-me, evidentemente, à chamada literatura light ou pop ou outra coisa qualquer, refiro-me ao lixo, verdadeiramente ao lixo...).
Depois, claro, há então os bons livros, os bons autores, as obras de referência fundamentais, aquelas que para circularem e viverem necessitam de todo o restante enquadramento que referi. Mesmo o do lixo...
Estamos a falar de uma indústria, queremos cada vez mais falar do livro como de uma indústria, tal como os homens de cinema desejariam poder fazer relativamente à sua actividade. Quanto mais filmes, melhores filmes; quanto mais livros, maior capacidade de selecção das leituras. Uma indústria, na era moderna, produz sempre lixos. É inevitável. Há sempre no ar uma poeira... havemos de aprender a seleccioná-la, cada vez com mais destreza.

2. A leitura de livros impressos sempre foi uma prática de minorias. A globalização das tecnologias de distribuição da leitura vai fazer emagrecer ainda mais essas minorias?

R. Não creio, pelo que disse antes.
Não devemos ter medo que o livro se torne uma industria.
Não gosto da globalização, mas não vejo outro remédio senão ter de aprender a viver com ela. Ela tornou o livro um produto menos sagrado, mais acessível, mais fácil de tocar onde quer que esteja, na livraria, no hipermercado, nos grandes espaços, nos quiosques ao lado dos jornais e das revistas, nas bibliotecas de leitura pública, quem dera que nas escolas um pouco mais do que actualmente.
Sou dos que pensam, repito, que quanto mais se ler (mesmo o lixo) mais se aprende, maior é a nossa capacidade de seleccionar as novas leituras. Suponho que foi isso o que aconteceu connosco, aqueles que hoje tanto amam e defendem os livros e a leitura. Quando jovem, eu lia tudo o que me punham à frente, ou até o que me escondiam... foi isso que apurou o meu gosto actual, aquilo que eu posso chamar o meu gosto actual.

3. As cópias clandestinas nas escolas devem ser encaradas como um prejuízo comercial e um atentado legal, mas também como um investimento em hábitos de leitura?

R. Nisso sou um pouco radical. Não vejo nas cópias clandestinas qualquer espécie de investimento. Vejo nelas um roubo. Um roubo aos direitos do trabalho dos autores, dos tradutores, dos revisores, dos designers, dos editores, da industria gráfica, etc.
Aprender a conviver com os livros tem de ser também aprender a defender esta realidade. Embora produto de trabalho intelectual, incorporando factores como a criatividade, a imaginação, o pensamento, etc., o livro não é feito de fumo, não é um objecto sem valor que se possa colocar em circulação através de cópias clandestinas.
Só uma industria forte é capaz de produzir e colocar em circulação cada vez mais livros, em cada vez mais locais, cada vez mais baratos. Há que defender essa industria, há que defender e respeitar o trabalho dos criadores intelectuais.
Como é que José Cardoso Pires, por exemplo, foi capaz de ser, desde muito cedo, um escritor profissional ? Através dos direitos de autor recebidos das cópias clandestinas de O Delfim, que se faziam para circulação escolar ?
4. O que deve ser, hoje, em seu entender, um editor livreiro consciente: audaz guardador do rebanho ? prudente vendilhão do templo ?

R. Apetece-me dizer apenas: um gestor, um bom gestor, um gestor preparado ao longo dos anos, um homem feito de experiências diversas, um bom compatibilizador de realidades muito distintas, como julgo se pode entrever do que disse antes. Mas também, como diria o meu amigo e colega Carlos Araujo, um técnico altamente especializado em... ideias gerais. Um amigo leal dos seus autores, o seu primeiro leitor, um leitor treinado e exigente.
Um homem de cultura ? - já agora...

5. Confie-nos alguma memória grata da sua relação com escritores que editou. Sabemos de si e de José Cardoso Pires, de si e do primeiro "élan" literário de Inês Pedrosa. Mas há mais, certamente...

R. Cultivei desde muito cedo (falo dos finais dos sessentas, princípios dos setentas) essa estreita e exigente relação com os meus autores, desde quando não era uso cultivar-se tal coisa na edição portuguesa. Editar autores portugueses era pagar direitos em percentagens elevadas, fazer tiragens de 3 mil exemplares, demorar vários anos para os vender. Os editores não estavam para isso. Tendo ainda por cima que aturar os autores, ao final da tarde, todos os dias, a bater-lhes à porta, reclamando: o meu livro não está nas livrarias...
Eu fui dos poucos a conseguir isso: aturá-los...
A achar graça às suas histórias, a ir com eles para os copos, a ler com atenção e cuidado os seus textos, a saber ouvi-los e a respeitá-los, a levantar-me cedo se eles me queriam para o pequeno-almoço, a deitar-me tarde se eles precisavam de um passeio nocturno, a pé, para contar as dificuldades de um próximo livro, a tentar que os seus livros estivessem sempre nas livrarias, que os jornais falassem deles, que os prémios os não esquecessem, que os agentes internacionais os incluissem nas suas agendas...
Sempre acreditei que um país que se preze tem de saber olhar para o seu umbigo, tem de aprender a ler os seus autores.
Hoje, fico feliz quando eles atingem 50 mil exemplares de vendas em poucos meses, quando os prémios literários lhes são atribuídos, quando os agentes internacionais os disputam, quando os jornais os assediam.
Acho que valeu a pena.
Pois valeu...

 

158 - ELFRIEDE JELINEK: "Siento más desesperación que alegría"

La escritora austriaca desea que el premio "no signifique nada" para Austria
Perdoem a transcrição directa do jornal espanhol La Vanguardia:
La cultura germana celebró ayer la concesión del Nobel de Literatura a la austriaca Elfriede Jelinek. La noticia abrió los noticiarios de la televisión alemana y el Gobierno de Berlín se apresuró a felicitar a la premiada. Pero, en entrevistas a medios de su país, la escritora rebajó la euforia y advirtió que Austria, con cuyos estamentos se ha enfrentado de forma repetida, no podía colgarse ninguna medalla. Jelinek, de 57 años, hizo honor a su carácter incómodo. "Por supuesto que me alegro, no tiene sentido negarlo, pero siento en realidad más desesperación que alegría. No me siento preparada como persona para hacer frente a la opinión pública", dijo a la agencia austriaca de noticias (APA). De entrada, la escritora ha anunciado que no irá a Estocolmo a recoger el galardón. Por motivos psíquicos, dijo.
(...)
En la tradición de autores malditos en su tierra, como Thomas Bernhard, Jelinek es muy crítica con su país, al que acusa de no enfrentarse abiertamente con su pasado nazi. "No me gustaría que esto (el Nobel) tuviese un significado para el país. Estoy totalmente distanciada de este Gobierno. Y no estoy segura de que todos los que ahora se alegran se alegren de verdad", dijo en la citada entrevista.
(...)
La autora, enemiga feroz de Haider, admitió a APA: "Cuando a una se le otorga el premio como mujer, también lo recibe como mujer, y una no puede alegrarse de forma ilimitada. Si Peter Handke, que merece el premio mucho más que yo, recibiese el premio, sólo lo recibiría como Peter Handke".

quarta-feira, setembro 29, 2004

 

157 - LIBER - BARCELONA

"Es fundamental que logremos pasar del saber leer al querer leer"
"afirmado ayer por la ministra de Cultura, Carmen Calvo, en el acto inaugural Liber 2004, celebrado en el Palau de Congressos de Montjuïc."

terça-feira, setembro 28, 2004

 

156 - O RUÍDO, OS LIVROS

Una idea es válida en tanto se difunde en el lugar y en el momento adecuados, amigo mío.
(Luther Blisset, Q)

La industria editorial (...) anda sobrada de producto.
Hay tanto que, en cierto modo, los libros superficiales censuran parcialmente - a causa del ruido que generan - lo mejor que se edita, que, por cierto, es mucho.
Jordi Nadal
Libros o Velocidad

segunda-feira, setembro 27, 2004

 

155 - PHILIP ROTH, ainda

Excerto do comentário de Eduardo Prado Coelho, publicado no suplemento "Mil Folhas", Público de 25.09.2004

Todos nós temos escritores que admiramos sem reservas, mesmo quando eles produzem obras menores. Ninguém escreve sempre obras-primas e todos sabemos que um percurso é feito de intermitências. Amar um escritor é ser capaz de aceitar essa cadência e considerar que estamos do lado dele nos bons e nos maus momentos. A obra de Philip Roth é desde há muito uma das minhas obsessões. Cada um dos seus livros dá-me uma alegria incondicional. Alguns são verdadeiras criações de primeiro plano: "O Teatro de Sabbath", "A Culpa Humana" e sobretudo essa obra-prima entre as obras-primas que é "A Contravida" estão neste caso. Outras são momentos de confidencialidade, desabafos existenciais, fragmentos de uma autobiografia sempre entrevista e sempre iludida. São as pedras com que se constroem os primeiros.

quarta-feira, março 17, 2004

 
154 - O NATAL DO SINALEIRO

Na próxima sexta-feira, dia 19 de Março, às 19.00h, as Publicações Dom
Quixote irão apresentar publicamente "O Natal do Sinaleiro e outras Crónicas",
de José Luís Saldanha Sanches.
Na Biblioteca Municipal Central - Palácio Galveias (ao
Campo Pequeno) sendo a obra será apresentada por Fernando Araújo (professor da
Faculdade de Direito de Lisboa).



“ De que falam estas crónicas?
Falam-nos – as crónicas e os contos de Natal (o do sinaleiro ante-25 de Abril incluído) – de um Portugal das pequeninas corrupções transformado com o correr dos decénios num Portugal em que o aparelho de Estado se encontra autenticamente ocupado por bandos organizados. De um Portugal em que a corrupção se “democratizou”, alargando-se a camadas cada vez maiores. De um Portugal em que os pagamentos por fora, as luvas, as comissões, deixaram de ser regidas pelo direito consuetudinário e passaram a ter a “dignidade” de direito constitucional. “Talvez um direito constitucional atípico, mas certamente constitucional”, satiriza José Luís Saldanha Sanches ao formular, as preocupantes acusações que acabo de ecoar e com cuja pertinência inteiramente concordo.”


do Prefácio de Adelino Gomes


O AUTOR
José Luís Saldanha Sanches nasceu em Lisboa, em 1944. Em 1964, entra para a Faculdade de Direito de Lisboa. Adere cedo ao movimento estudantil, foi militante do PCP e mais tarde do MRPP. Foi preso por várias vezes tendo passado na prisão de Peniche e de Caxias um total de seis anos. É actualmente professor na Faculdade de Direito de Lisboa, considerado um dos nossos maiores especialistas em Direito Fiscal.

domingo, fevereiro 15, 2004

 
153 - APENAS UM PEDANTE...

Não há dúvida.
Ultimamente, ao fim de semana, o Expresso tem-nos surpreendido com algumas notícias importantes nas suas primeiras páginas.
Desta vez, não pode deixar de se destacar, ficámos a saber das candidaturas de Bush e de Blair ao Prémio Nobel da Paz e, claro, da finalmente assumida (embora com subtis correcções de estratégia) candidatura presidencial de Pedro Santana Lopes.
Agora sim, podemos dizer: o homem é um pedante e isso dificulta-lhe o olhar sobre si próprio.

sábado, fevereiro 14, 2004

 
152 - MAIS LIVROS... em breve.

O CASO "UNIVERSIDADE MODERNA"

“É claro que a opinião pública não é isenta, está dominada por preconceitos, pode ser também objecto de manipulação. Talvez. O processo penal não é perfeito e o mundo também o não é. Mas o processo penal cumpriu ao menos parcialmente a sua função: os tais factos vieram para a praça pública. Estão num processo que todos podem consultar.
O resultado não é perfeito: mas mesmo assim talvez tenha alguma eficácia dissuasória.
E não é essa a função mais importante do Direito penal?
Todos estes dilemas, que atravessam sempre uma investigação criminal e o seu julgamento, são refinadamente tratados pelo Rui Costa Pinto nas crónicas que agora edita.”

Do Prefácio de Maria José Morgado

Esta obra conta ainda com testemunhos de Manuel Dores: Procurador adjunto do Ministério Público; Manuel Vaz: Revisor Oficial de Contas da Dinensino; José Maria Bello Dias: Advogado; Jorge Raposo: Juiz; Paula Lourenço: Advogada; Raúl Soares da Veiga: Advogado

O Autor


Rui Costa Pinto, 43 anos, Grande Repórter da revista Visão, desempenhou diversas funções em órgãos de comunicação social escrita e falada. Após ter frequentado o Instituto de Ciências Políticas de Paris, regressou ao Porto, onde nasceu, a 7 de Dezembro de 1960, para abraçar o jornalismo, “a profissão mais bonita do mundo”, como gosta de lhe chamar. Após a sua passagem pelas delegações do Diário de Notícias e do Diário e Semanário Económico, no Porto, rumou ao Oriente para descobrir a arte do jornalismo radiofónico, na TDM, em Macau, onde assinou diversos artigos como correspondente do Diário de Notícias. De volta a Portugal, integrou a redacção do semanário O Independente e, posteriormente, a equipa de jornalistas da Visão, a partir de Março de 2001.

RAFAEL - o novo romance de Manuel Alegre

Andará de casa em casa, de hotel em hotel, mudará o nome, mudará o rosto, deixará crescer o bigode, usará óculos sem lentes, um passaporte para os hotéis, outro para viajar, em cada novo documento um nome e uma profissão diferente, está clandestino dentro de si mesmo, perdeu os locais, as referências, a identidade. É ele e já não é, não usa o nome próprio, tem quatro ou cinco pseudónimos que são um outro ou outros, heterónimos do desaparecido que traz dentro de si, ora é francês, ora espanhol, ora argelino, ele é sozinho, não propriamente, como queria o outro, uma literatura, mas uma nova brigada internacional.

O Autor

Manuel Alegre nasceu em Águeda a 12 de Maio de 1936. Estudou em Lisboa, no Porto e na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Foi campeão de natação e actor do Teatro Universitário da Universidade de Coimbra (TEUC). Em 1961, é mobilizado para Angola onde participa num movimento de resistência no interior das Forças Armadas e numa tentativa de revolta militar. Preso pela PIDE, passará seis meses na fortaleza de S. Paulo em Luanda, onde encontra Luandino Vieira. Ali escreve grande parte dos poemas do seu primeiro livro A Praça da Canção (1965). No início de 1964 volta a Coimbra, mas a perseguição policial obriga-o à clandestinidade e, posteriormente, à emigração. Em Outubro de 1964 é eleito membro do comité nacional da Frente Patriótica de Libertação Nacional e passa a trabalhar em Argel na emissora Voz da Liberdade. Regressa a Portugal após o 25 de Abril de 1974. É actualmente deputado pelo Partido Socialista à Assembleia da República .
É autor, entre outras obras de 30 Anos de Poesia (prefácio de Eduardo Lourenço, 1995, em 2ª edição), que assinala os 30 anos da publicação de A Praça da Canção, do volume de contos O Homem do País Azul (1989) e dos romances Jornada de África (1989, 2ª edição), Alma (1995, 7ª edição) e A Terceira Rosa (1998, 2ª edição), da colectânea de textos políticos Contra a Corrente (1997) e dos livros de poesia Senhora das Tempestades (1998, 2ª edição) e Rouxinol do Mundo – Dezanove Poemas Franceses e um provençal subvertidos para Português (1998). Ao seu livro Senhora das Tempestades foram atribuídos o Grande Prémio de Poesia APE-CTT 1998 e o Prémio da Crítica 1998 da Associação Internacional dos Críticos Literários.
A sua poesia encontra-se reunida em Obra Poética (1999), volume no qual estão incluídos os seus livros Pico, Alentejo e Ninguém e Che bem como inúmeros inéditos. Obra Poética teve a sua 6ª edição em 2000. Em 2002 publica o ensaio A Arte de Marear e a novela Cão Como Nós. Rafael é o seu mais recente romance.

PARA ALÉM DA CRENÇA - V. S. NAIPAUL, Prémio Nobel de Literatura em 2001

Este é um livro sobre um dos temas mais importantes e mais perturbadores do nosso tempo. Porém, não é uma obra de opinião. É – à maneira de Naipaul – um trabalho muito rico e muito humano, cheio de pessoas e de histórias. O islamismo é uma religião árabe que faz imperiosas exigências de arabização aos seus convertidos. Nesta óptica, é mais do que uma fé privada, pode tornar-se uma neurose. O que fez este Islão árabe à História da Indonésia, do Irão, do Paquistão e da Malásia? Como é que estes novos muçulmanos vêem o seu passado – e o seu futuro?

Numa continuação de Among the Believers, o relato clássico das suas viagens por estes países, V. S. Naipaul está de volta, após um intervalo de dezassete anos, para descobrir como e o que pregam os convertidos.

O Autor

V. S. Naipaul nasceu em Trinidade, no ano de 1932. Frequentou o University College, em Oxford, e estabeleceu-se em Londres, onde iniciou a sua actividade de escritor. As suas obras de ficção incluem: The Mystic Masseur (1957, Prémio John Llewellyn Rhys), The Suffrage of Elvira (1958), Miguel Street (1959; Prémio Somerset Maugham), Uma Casa Para Mr. Biswas (1961), Mr. Stone and the Knights Companion (1963; Prémio Hawthornden), The Mimic Man (1967; Prémio W. H. Smith), A Flag on the Island (1967), In a Free State (1971; Booker Prize), Guerrillas (1975), A Curva do Rio (1979), The Enigma of Arrival (1987) e A Way in the World (1994). V. S. Naipaul é ainda autor de uma vasta bibliografia de viagens e testemunhos sobre a Ásia, a América do Sul, a África e o Médio Oriente: The Middle Passage (1962), An Area of Darkness (1964), India: A Wounded Civilization (1977) e India: A Million Mutinies Now (1990). Publicou ainda The Loss of El Dorado (1969), The Overcrowded Barracoon (1972), The Return of Eva Perón juntamente com The Killings in Trinidad (1980), Among the Believers (1981), Finding the Centre (1984) e Letters Between a Father and Son (1999). Em 1995, regressou à Indonésia, ao Irão, ao Paquistão e à Malásia. Para Além da Crença é o relato destas viagens. V. S. Naipaul recebeu o grau de Cavaleiro, na lista de honra do Ano Novo de 1990, por serviços à Literatura e em 1993, foi o primeiro a merecer o Prémio David Cohen de literatura britânica e em 2001 foi galardoado com o Prémio Nobel de Literatura.

sexta-feira, fevereiro 13, 2004

 
151 - A AUTO-ESTIMA


Até os vírus, em Portugal, necessitam de aumentar a sua auto-estima:

Hi
I'm a Portuguese virus, but because of poor technology in my country I am not able to do anything with your computer

So, please be kind and delete an important file on your system and then forward me to other users.

Thank you.

sexta-feira, fevereiro 06, 2004

 
150 - APRESENTAÇÃO DOS CADERNOS DE REPORTAGEM

Estamos aqui esta noite, neste espaço da Sociedade de Geografia de Lisboa, para vos apresentar uma nova colecção da Dom Quixote - Cadernos DQ de Reportagem - cujos 3 primeiros títulos foram sendo colocados no mercado ao longo dos últimos meses.
Trata-se de um projecto que desejamos inovador no espaço editorial português: um espaço dedicado aos grandes temas nacionais, para ser usado pelos melhores repórteres portugueses.

Convidámos para a direcção deste projecto o jornalista José Vegar, a quem eu começo por agradecer a colaboração que nos tem dado e a disponibilidade que tem manifestado neste trabalho em conjunto.
Começar uma coisa nova e pelo princípio, nem sempre é a posição mais fácil. Há que vencer as arestas iniciais, as dificuldades, as inércias, a descrença de alguns. O José Vegar tem sabido fazer isso connosco. Estamos-lhe muito gratos pela parceria.

Este é um espaço dedicado aos jornalistas portugueses. Um espaço onde os seus textos, as suas ideias, as suas reflexões, os seus trabalhos de investigação, poderão ir mais longe e mais fundo, do que lhes permite o espaço dos seus órgãos de comunicação habituais. Mas é um espaço (também) onde os seus textos irão conviver com os textos dos autores literários com quem habitualmente trabalhamos, mostrando com toda a clareza que o jornalismo de reportagem não é uma forma de escrita menor, como muitos acham que é.

Isso fica desde já provado com os três primeiros títulos colocados no mercado: “O Estrago da Nação”, onde Pedro Almeida Vieira aborda o estado de inqualificável degradação a que chegaram a maior parte dos recursos naturais do nosso país; “Olhem para Mim”, onde Fernanda Câncio denuncia os aspectos mais sombrios de uma geração que quer à força ser “modelo”, cultivando a aparência, as imagens e a ilusão - livro que inclui também dois brilhantes textos interpretativos de Alexandre Melo e Inês Pedrosa; e “O Processo Casa Pia na Imprensa”, onde Nuno Ivo e Óscar Mascarenhas nos falam dos reflexos na imprensa dessa nuvem de chumbo e de desconforto que se abateu sobre todos nós, e que não sabemos ainda muito bem como é que vai terminar.

Esperamos com estes 3 primeiros títulos ter mostrado o que desejamos venha a ser esta nova colecção: um espaço de reflexão e de exigência que é proposto ao nossos leitores, feito de verdade, rigor e actualidade, construído pelo melhor do jornalismo de investigação que se cultiva no nosso país.

Felicito portanto com o maior entusiasmo os nossos primeiros 4 autores, e agradeço-lhes toda a colaboração que nos deram, a paciência que tiveram para esta fase de arranque.
Esperamos que, com eles, com a direcção do José Vegar, se consiga ver claramente o que desejamos ter criado: um espaço novo e diferente para o exercício pleno da liberdade de informação, agora que essa liberdade, 30 anos após a instauração da nossa democracia, voltou, surpreendentemente, a ser contestada.

Agradeço também ao nosso autor e jornalista José Pedro Castanheira, a simpatia que teve em aceitar vir aqui, com o seu prestígio, o seu exemplo, e o respeito que a todos inspira, apadrinhar e apresentar este projecto.

Mais livros aparecerão ainda este ano, a começar já no próximo mês de Abril:

Doping”, de Afonso de Melo e Rogério de Azevedo
Crimes sem Castigo”, de Manuel Catarino

ou em Setembro

Espécies em Extinção”, de David Travassos

ou em Outubro

"Mutilação Genital Feminina", de Sofia Branco

Estão pois todos convidados, os jornalistas aqui presentes. O espaço é vosso. É apenas mais um espaço. Mas desejamos que seja um espaço sem fronteiras, o que no momento actual, convenhamos, já não é mau…

Acho que não me esqueci de nada nem de ninguém, vou passar a palavra ao José Vegar, director da Colecção; em seguida ao José Pedro Castanheira; depois aos autores que entenderem também usar-se dela.


sexta-feira, janeiro 30, 2004

 
149 - SABER ESCREVER, SABER FALAR, um livro importante


As línguas não são instrumentos neutros, nem somente um código de transmissão de informações sobre objectos, conceitos, sentimentos. A língua materna influencia, modela e reflecte a nossa concepção do mundo e da vida.
Também por isso, a nossa língua deve ser usada com o espírito de quem se serve de um bem. É um serviço público que, simultaneamente, prestamos e usufruímos.
Este livro põe ao alcance dos leitores os meios para que isto se faça de modo correcto.
Disponibiliza extensa, criteriosa e pormenorizada informação e exemplificação, nos vários domínios que o uso da língua implica.
Trata-se de um contributo minucioso e reflectido, com os olhos num ideal de correcção e adequação, os pés bem assentes nesta terra (um tanto poluída), em que a língua portuguesa tem, hoje, alguma dificuldade em viver de um modo saudável.
De facto, assistimos diariamente a inúmeros atentados ao “corpo da língua”. Não há penalizações legais para este tipo de infracções (este tipo de descuidos) mas, como escreveu Vergílio Ferreira, “há casos em que o erro é evidente e assim, quem nele persiste, deve ser excluído do convívio geral.”

As Autoras

Edite Estrela é licenciada em Filologia Clássica e Mestre em Comunicação Social, Professora de Língua e Literatura Portuguesa durante 15 anos. Orientadora de estágios pedagógicos de Português. Monitora de Cursos de Formação na RTP, TSF, Lusa e Caixa Geral de Depósitos. Conferencista em várias Universidades e outras instituições nacionais e estrangeiras:Academia de Letras de São Paulo, Sociedade de Geografia, Instituto Superior Naval de Guerra, Sociedade de Língua Portuguesa, etc. Foi vice-presidente da Associação Portuguesa de Escritores. Autora de vários programas sobre Língua Portuguesa para rádio e televisão, designadamente, «Bem Dizer. Bem Escrever», «Crónicas de Bem Dizer» e «Falar Português». Este último, em parceria com o Prof. João David Pinto-Correia, com quem publicou também Guia Essencial da Língua Portuguesa para a Comunicação Social.
Tem vasta obra publicada, de que se destaca: Dúvidas do Falar Português (5 volumes), Bem Dizer. Bem Escrever, A Questão Ortográfica. Colaborou nas obras: Moderno Dicionário da Língua Portugues e Falar Melhor, Escrever Melhor. Tem mantido colaborações regulares em vários jornais (A Capital, Expresso, Jornal de Notícias…) revistas, rádios e televisões.

Maria Almira Soares é licenciada em Filologia Clássica, tendo leccionado, ao longo dos últimos trinta anos, as disciplinas de Literatura Portuguesa e Latim. No domínio do ensino da língua e literatura portuguesas, publicou duas séries de manuais escolares: Vamos ler e Palavras Certas e vários outros livros auxiliares de aprendizagens nesta área de que aqui se destacam Como Fazer um Resumo e Para uma leitura de Mensagem de Fernando Pessoa. Publicou, ainda, no âmbito do ensaio literário, Memorial do Convento, Um Modo de Narrar e Frei Luís de Sousa, Um Drama Psicológico e, no da reflexão pedagógica, Ensinar— Reflexões sobre a Prática Docente.

Maria José Leitão é licenciada em Filologia Românica, tendo leccionado, ao longo dos últimos trinta anos, as disciplinas de Literatura Portuguesa e de Francês. Tem dado variado contributo institucional nas áreas da avaliação, programação e formação, dentro do Ensino Secundário. Exerceu as funções de Orientadora de Estágio do ramo educacional da Faculdade de Letras de Lisboa. Foi co-autora de manuais de Francês e, por solicitação do Instituto do Emprego e Formação Profissional, do Programa de Língua e Cultura Portuguesas, para o 10º, 11º e 12º anos, e do Manual do Formando para o mesmo nível de estudos. Participou no concurso televisivo Falar Português, integrado no programa «Lugar de Encontro».


sexta-feira, janeiro 23, 2004

 
148 - ZADIE SMITH, O Homem dos Autógrafos

Alex-Li Tandem vende autógrafos. O seu negócio, que é uma gota de água numa gigantesca rede mundial de desejos, consiste em procurar nomes escritos sobre papel, coleccioná-los, vendê-los e uma vez por outra falsificá-los – tudo isto para dar às pessoas o que elas desejam: um pedaço de Fama. Mas o que deseja Alex? Afinal apenas o regresso do seu pai, o restabelecimento de um certo tipo de imagem divinizada toda-poderosa e benévola, o fim da religião, qualquer coisa para tirar a dor de cabeça, três raparigas diferentes, virtudes infinitas e o autógrafo raro da actriz de cinema dos anos quarenta Kitty Alexander.

O Homem dos Autógrafos faz uma ronda existencial extremamente divertida pelas coisas gratuitas da modernidade: a celebridade e o lamentável triunfo do símbolo sobre a experiência.

A Autora

Zadie Smith nasceu em Londres em 1975. Estudou na Universidade de Cambridge. Dentes Brancos, o seu primeiro romance, assinalou uma brilhante entrada na literatura e foi galardoado com o Guardian First Book Award, o Whitbread First Novel Award e o The Betty Trask Award.
O Homem dos Autógrafos , o seu mais recente romance, estará em breve nas livrarias.


 
147 - TEXTOS DE CONTRACAPA

A falta de tempo, a preguiça, alguma ausência de inspiração, bastante desencanto (com a blogosfera, mas sobretudo com o que lhe é exterior), têm estado a encaminhar este blogue para a literalidade: textos de contracapa são apenas os breves textos informativos com que os editores tentam chamar a atenção dos leitores para os livros que publicam.
Aqui vão ficando alguns, dispersos, anunciando livros que brevemente irão aparecer nas livrarias.
Tomem-nos pelo que são: informações que os meios de comunicação dão com alguma dificuldade...

 
146 - A MANCHA HUMANA, de PHILIP ROTH

Coleman Silk tem um segredo. Mas não se trata do segredo do caso que mantém, aos setenta e um anos, com uma mulher com metade da sua idade e um passado brutalmente devastado. Também não é o segredo do alegado racismo de Coleman, pretexto para a caça às bruxas desencadeada pela universidade e que lhe custou o emprego e, na sua opinião, lhe matou a mulher.
O segredo de Coleman foi guardado durante cinquenta anos: oculto da sua mulher, dos seus quatro filhos, dos seus colegas e dos seus amigos, incluindo o escritor Nathan Zuckerman que - após a morte suspeita de Coleman, com a amante, num desastre de automóvel - resolve compreender como é que aquele homem eminente e íntegro, apreciado como educador durante quase toda a sua vida, forjou a sua identidade e como essa vida tão cuidadosamente controlada acabou por ser deslindada.

Situado na América dos anos 90, onde princípios morais contraditórios e divergências ideológicas são trazidos à luz do dia através da denúncia pública e de rituais de purificação, A Mancha Humana completa a eloquente trilogia de Philip Roth sobre vidas americanas do pós-guerra tão tragicamente determinadas pelo destino da nação como pela «mácula humana» que marca de modo tão indelével a natureza do homem.
Este livro deu origem ao filme A Culpa Humana que teve como protagonistas Nicole Kidman e Anthony Hopkins.

O Autor

Nos anos 90, Philip Roth ganhou os quatro mais importantes prémios literários da América: o National Book Critics Circle Award com Patrimony (1991), o PEN/Faulkner Award com Operation Shylock (1993), o National Book Award com O Teatro de Sabbath (1995), e o Pulitzer Prize com Pastoral Americana (1997). Ganhou o Ambassador Book Award da União de Língua Inglesa com Casei com um Comunista (1998); no mesmo ano foi galardoado com a National Medal of Arts, na Casa Branca. Anteriormente obteve o National Book Critics Circle Award com The Counterlife (1986) e o National Book Award com o seu primeiro livro Goodbye, Columbus (1959). Em 2000 publicou A Mancha Humana, concluindo a trilogia sobre o espírito da América do pós-guerra. Com A Mancha Humana, Roth obteve o seu segundo PEN/Faulkner Award bem como o Britain’s W. H. Smith Award para o Melhor Livro do Ano. Em 2001 recebeu o mais alto galardão da Academia Americana de Artes e Letras, a Gold Medal para ficção, atribuída de seis em seis anos «para o conjunto da obra». O seu mais recente romance, The Dying Animal, foi publicado em 2001.




 
145 - O caso MODERNA, em livro

É claro que a opinião pública não é isenta, está dominada por preconceitos, pode ser também objecto de manipulação. Talvez. O processo penal não é perfeito e o mundo também o não é. Mas o proceso penal cumpriu ao menos parcialmente a sua função: os tais factos vieram para a praça pública. Estão num processo que todos podem consultar.
O resultado não é perfeito: mas mesmo assim talvez tenha alguma eficácia dissuasória.
E não é essa a função mais importante do Direito penal?
Todos estes dilemas, que atravessam sempre uma investigação criminal e o seu julgamento, são refinadamente tratados pelo Rui Costa Pinto nas crónicas que agora edita
.”

Maria José Morgado (do Prefácio)

Esta obra contém testemunhos de Manuel Dores: Procurador adjunto do Ministério Público; Manuel Vaz: Ex-Revisor Oficial de Contas da Dinensino; José Maria Bello Dias: Advogado; Jorge Raposo: Juiz; Paula Lourenço: Advogada; Raúl Soares da Veiga: Advogado

O Autor
Rui Costa Pinto, 43 anos, Grande Repórter da revista Visão, desempenhou diversas funções em órgãos de comunicação social escrita e falada. Após ter frequentado o Instituto de Ciências Políticas de Paris, regressou ao Porto, onde nasceu, a 7 de Dezembro de 1960, para abraçar o jornalismo, “a profissão mais bonita do mundo”, como gosta de lhe chamar. Após a sua passagem pelas delegações do Diário de Notícias e do Diário e Semanário Económico, no Porto, rumou ao Oriente para descobrir a arte do jornalismo radiofónico, na TDM, em Macau, onde assinou diversos artigos como correspondente do Diário de Notícias. De volta a Portugal, integrou a redação do semanário O Independente e, posteriormente, a equipa de jornalistas da Visão, a partir de Março de 2001.


quinta-feira, janeiro 15, 2004

 
144 - INFORMAÇÃO EDITORIAL

Le Seuil et La Martinière annoncent leur fusion
LE MONDE | 12.01.04 |


Le nouvel ensemble représentera le troisième éditeur français, derrière Hachette Livre et Editis.
La restructuration de l'édition française se fait à grande vitesse. C'est d'ailleurs dans le Thalys Paris-Bruxelles que les contacts entre Claude Cherki, PDG du Seuil, et Hervé de La Martinière, patron du groupe qui porte son nom, se sont renforcés dans leur combat commun (avec Gallimard) contre le rachat de VUP-Editis par le groupe Lagardère.

Le projet de rapprochement des deux maisons indépendantes devait être annoncé lundi 12 janvier. Il va donner naissance au numéro trois de l'édition française : le groupe La Martinière-Le Seuil. Hervé de La Martinière en sera le président et Claude Cherki, le vice-président, tout en restant patron du Seuil. L'ensemble devrait représenter un chiffre d'affaires de plus de 280 millions d'euros, ce qui le place nettement devant Flammarion et Gallimard (avec respectivement 227,5 et 225,6 millions d'euros de chiffre d'affaires en 2002), mais largement derrière Hachette Livre (1,2 milliard d'euros) et Editis (600 millions).

"C'est d'abord la rencontre de deux hommes, explique Hervé de La Martinière (...)

quarta-feira, janeiro 14, 2004

 
143 - OS BLOGUES...


Tenho tantas coisas interessantes para ler que não me sobra tempo para escrever - frase adaptada de uma piada que dantes se contava do crítico literário João Gaspar Simões: "tenho tanto que fazer que não me sobra tempo para ler..."
Gaspar Simões referia-se aos livros que era suposto ter de criticar; eu refiro-me aos blogues, evidentemente - cuja qualidade e interesse não páram de crescer. Veja-se, por exemplo, o Causa Nossa.

segunda-feira, janeiro 05, 2004

 
142 - O frio... este frio.

Quando chegaram as noites frias do Inverno e a proximidade do Natal, lembrei-me das mortes que normalmente ocorrem por esta altura do ano.
Como se os mais fracos não aguentassem, desistindo por fim, num estremecimento de frio.
Assim aconteceu.

Paradela de Abreu, uma figura contestável, um editor cheio de sentido da oportunidade, foi ele o verdadeiro editor desse livro decisivo que foi o “Portugal e o Futuro”, de Spínola; também um negociante de armas (diziam) colaborando com o ELP e outras organizações similares, um homem que acabou sozinho, depois de se ter envolvido em negócios que nunca foram muito claros.
Encontrámo-nos uma última vez, há já muitos meses, num desses “descansos” da auto-estrada Lisboa/Porto. Ele vinha de uma delegação do Instituto Piaget, em Trás-os-Montes, com quem então colaborava fazendo não entendi bem o quê. Havíamos coincidido na editora Arcádia, logo após a publicação do livro de Spínola, frequentávamos o bife do Snob, altas horas da noite. Apesar desta proximidade, nunca deixou que se soubesse muito da sua vida estranha, nem mesmo quando o álcool parecia descontrolá-lo um pouco mais.
Era um editor com imaginação e criatividade, sabia do seu ofício, aprendi com ele (em breves conversas) algumas coisas da profissão. Procurei, com cuidado, nunca me envolver no resto da sua vida. Morreu aos 70 anos, a meio dos frios de Dezembro, dia 17, suponho.
Teve a sorte de, entre outros, ser o editor de um livro que ficará como símbolo da nossa História mais recente.

Herlânder Rolo, proprietário da tipografia Rolo & Filhos, em Mafra. Foi lá, e com a sua ajuda (discreta, mas cheia de profissionalismo), que foi impresso quase clandestinamente o livro de Rui Mateus, “Memórias de um PS Desconhecido”.
Clandestinamente, sim, não é exagero, apesar de estarmos já numa fase adiantada da nossa democracia. Muita gente pretendia ler este livro antes da sua divulgação pública...
Tivemos sorte, eu e Herlânder Rolo, de saber pertencer a esse tempo em que o editor e o impressor estabeleciam entre si laços de cumplicidade, imprescindíveis ao arrojo de certas iniciativas editoriais.
Numa das noites em que decorreu a impressão deste livro, a sua Gráfica sofreu uma tentativa de assalto por parte de alguns jornalistas do semanário O Independente, alguns deles (têm-me dito) trabalhando agora no Gabinete do Ministro Paulo Portas. Assalto esse que depois se prolongou, no caminho entre Mafra e Lisboa, numa alucinante perseguição às viaturas que transportavam para a Distribuidora a 1ª edição deste livro. Trinta mil exemplares, vendidos logo no primeiro dia do seu lançamento - para fazer ruborizar alguns best-sellers de agora…
Morreu no último dia do ano quando, infelizmente, todos pensávamos noutras coisas.
Espero que os seus filhos Célia e João Paulo prossigam o seu trabalho e o seu exemplo.

Eduardo Guerra Carneiro, o poeta de “Isto Anda Tudo Ligado” (1970), o jornalista, o companheiro de tantas aventuras antigas, dos suplementos juvenis, do suplemento literário do Diário de Lisboa (agora já não se usa dizer “suplemento literário”), da revista “& etc.”, das noitadas do Monte Carlo e do Snob, dos almoços quase diários no “13”, do café, antes do almoço, na Brasileira, dos copos e conversas, noite dentro, no Bolero, ou em casas dos amigos.

Estremeci, quando a noticia me caiu em cima, ao tomar consciência da proximidade entre as nossas idades, eu que sempre o tratava como mais velho. Ele com 61, eu afinal já com estes 58.

Não tenho nada para dizer. Nem me apetece. O Eduardo decidiu terminar. Não era a primeira vez que falava disso, como quando aconteceu com o pintor Fausto Boavida. Apetece-me apenas lembrá-lo, sei que terei de lembrá-lo sempre, tantas foram as coisas que vivemos juntos. Lembras-te também, Victor? Claro, tu não podes responder. Não escreves certamente nenhum blogue… Imagino que nem uses um computador…
Fica aqui este poema. Datado? Não o são todas as palavras?



Algumas palavras são mais que o som.
(…)
Assim me apoio às palavras,
Procuro a tudo dar um nome,
E em noites destas – salientes, defumadas,
Com vozes que nos chamam – sou um corpo
novo. Quebrando o meu silêncio,
povoo alguns espaços de alegria.
Rasgo o papel. Irado, desejoso
De saber até onde, quando, como,
O corpo vai. Nas palavras me encontro.
Cansado, quase morto, à espera,
Sempre à espera. Nas palavras vivo,
Denuncio ou ataco. Há um grande sol
À nossa espera. Quantos somos?

in “Algumas palavras” (1969)


Homenagem também a Vitor de Sá, falecido com 82 anos. Marcou a minha geração, foi depois Deputado e um exemplo de seriedade na nossa democracia.

E chega de perdas. Voltemos ao ano novo.

sexta-feira, dezembro 26, 2003

 
141 - BORGES: estou destinado a perder-me…

Obrigado a todos os que entenderam saudar o que chamaram “o meu regresso”.
O pior é eu próprio não saber se regressei… ou se apenas (brevemente) passei por aqui de novo...

Transcrevo do Aviz e do Francisco José Viegas, para que se entenda melhor o que quero dizer:

“Há semanas, dias, alturas em que o silêncio é a única resposta a um mundo que anda muito tagarela — mas a culpa não é do mundo, não. Não dou voz a tamanha arrogância; o mundo é como é, e como já há muito se sabia. De resto, o Aviz tem esta característica lamentável e não-periódica: de vez em quando, cala-se. Não é por mal. Só que não há muito a dizer (…)”

O mesmo acontece por aqui.
De vez em quando, face à tagalerice que nos rodeia, um pouco de silêncio e de recolhimento.
Quem é que dizia que um pouco de silêncio é necessário, de vez em quando? Demonstra a consciência do que se diz, do que se quer dizer.

Retribuo as saudações (sempre boas de receber), deixando-vos um texto de JL Borges, numa tradução de Ruy Belo.
Deste mesmo texto existe outra tradução, também de outro poeta (Fernando Pinto do Amaral), incluída no vol. II das Obras Completas de Jorge Luís Borges, editadas pela Teorema (1998).
Borges está bem em qualquer das versões.

BORGES Y YO

É ao outro, a Borges, que acontecem as coisas. Eu caminho por Buenos Aires e demoro-me, talvez já mecanicamente, a olhar o arco de um alpendre e o guarda-vento; de Borges tenho notícias pelo correio e vejo o seu nome num grupo de professores ou num dicionário biográfico. Gosto dos relógios de areia, dos mapas, da tipografia do século XVIII, do sabor do café e da prosa de Stevenson; o outro compartilha dessas preferências, mas de um modo vaidoso, que as converte em atributos de um actor. Seria exagerado afirmar que as nossas relações são hostis; eu vivo, eu deixo-me viver, para que Borges possa tecer a sua literatura e essa literatura justifica-me. Nada me custa confessar que conseguiu certas páginas válidas, mas essas páginas não me podem salvar, talvez porque o que é bom já não é de ninguém, nem sequer do outro, mas sim da linguagem ou da tradição. Além do mais, eu estou destinado a perder-me, definitivamente, e apenas algum instante meu poderá sobreviver no outro. A pouco e pouco vou cedendo-lhe tudo, embora não desconheça o seu perverso costume de falsear e de magnificar. Spinoza entendeu que todas as coisas querem perseverar no seu ser; a pedra quer eternamente ser pedra e o tigre um tigre. Eu hei-de ficar em Borges, não em mim (se é que sou alguém), mas reconheço-me menos nos seus livros que em muitos outros ou que no laborioso zangarreio de uma viola. Há anos procurei libertar-me dele e passei das mitologias do arrabalde aos jogos com o tempo e com o infinito, mas esses jogos são agora de Borges e terei de idealizar outras coisas. Assim, a minha vida é uma fuga e perco tudo e tudo é do esquecimento ou do outro.
Não sei qual dos dois escreve esta página.

(in Jorge Luís Borges, Poemas Escolhidos, Pub. Dom Quixote, 1971 e 2003, ed. bilingue)

 

140 - Giulio Einaudi


Giulio Einaudi


Editar um livro é uma tarefa tão louca como escrevê-lo.
Ernst Rowohlt

Os editores têm todos as suas manias e deles se contam inúmeras histórias. De Giulio Einaudi, provavelmente um dos editores italianos mais influentes na segunda metade do século XX, costuma referir-se a sua aversão a que se falasse do público (dos leitores) nos seus famosos conselhos de leitura. Famosos porque deles chegaram a fazer parte escritores como Cesare Pavese, Elio Vittorini, Ítalo Calvino, Primo Levi, etc.
Os conselhos de leitura estão para os editores como os conselhos de ministros estarão para os primeiros-ministros: são as reuniões periódicas dos seus muitos consultores especializados, dos seus “leitores” de confiança, dos seus directores de colecções, às vezes também de alguns autores e dos inevitáveis técnicos de marketing e comerciais. Tal como os primeiros-ministros os editores têm por missão ouvir atentamente os seus conselhos fazendo em seguida o que lhes sugere a sua intuição e experiência.
Entre os editores e as suas equipas comerciais há um desacerto histórico e constante, originando várias histórias e anedotas: quando um livro não tem sucesso os editores consideram que os comerciais são normalmente os responsáveis, porque não souberam apoiá-lo junto do mercado conforme o livro certamente merecia; para os comerciais a razão do insucesso de um livro deve-se normalmente a uma má escolha do editor que, deste modo, lhes estraga os resultados e as comissões de vendas.
Os editores reclamam o seu conhecimento dos leitores e dos seus gostos de leitura; os comerciais afirmam que apenas eles conhecem a vontade dos compradores.
Os editores afirmam que só eles sabem justificar as suas apostas, o conhecimento dos autores, o seu significado cultural, a qualidade dos seus textos; os comerciais costumam sublinhar que tudo isso é irrelevante face ao que procura o mercado num determinado momento.
Eu próprio já me confrontei, há uns anos atrás, com um director comercial que entrando agitado no meu gabinete de trabalho, disparou:
- Depressa, preciso que me prepare aí um livro sobre micro-ondas...
E a verdade, acreditem, é que lhe preparei um livro de receitas para micro-ondas, criadas especialmente pelo Manuel Luís Goucha, tão grande era a sua expectativa e entusiasmo. Foi evidentemente um insucesso; quando o livro saiu já os compradores estavam a pensar noutra coisa, já as livrarias estavam cheias de outros livros similares. Assim acontece, quase sempre, com os livros chamados “de ocasião”... Julgamos sempre ser os primeiros; há que reconhecer, modestamente, que somos normalmente apenas “mais uns”. Para repararmos o desastre tivemos de vender o stock a um fabricante de micro-ondas que o ofereceu depois com a compra do seu equipamento.
Por isso, certamente, Giulio Einaudi proibia firmemente este tipo de discussões nos seus conselhos de leitura. “Um livro publica-se se é bom; não se publica se é mau” – costumava dizer. E toda a estratégia de marketing e comercial há-de construir-se depois, para servir adequadamente as características do livro e a sua especificidade. Para isso devem servir os especialistas nestas matérias, sempre que tenham, no mínimo, a curiosidade de ler aquilo que depois irão promover.
O que normalmente não acontece.
Einaudi foi um editor que marcou o seu tempo, provocando constantemente, com as suas decisões e escolhas atrevidas, o gosto imediato dos seus leitores.
Em todos os aspectos, desde as suas capas brancas, com um grafismo moderno, inconfundível e uniforme (desenhado para a eternidade por Bruno Munari), ao cuidado que punha no interior dos seus livros, muito bem paginados, sempre compostos no mesmo e inconfundível tipo de letra. Conta-se que outros editores, desejando imità-lo, percorriam a Itália à procura desses tipos maravilhosos e elegantes, sem jamais os conseguirem descobrir. Conta-se até que alguns editores de outros países (parece que também de Portugal, que nisto de copiar o alheio não fica atrás de ninguém) se deslocavam propositadamente a Itália na tentativa de trazer consigo cópias desses tipos. Nunca ninguém o conseguiu. Só ele dispunha deles e, para surpresa de todos, veio depois a descobrir-se, após a sua morte em 1999, que os havia patenteado.
Pertencendo a uma raça de editores hoje em vias de extinção, submersa pelos imperialismos do mercado, pelos fundamentalismos da nova economia, pela lógica de funcionamento dos grandes Grupos, Einaudi foi capaz de inspirar a geração seguinte, aqueles que souberam interpretar e dar atenção ao trabalho exemplar que realizava com os seus autores.
Os livros não são coisas pontuais – já o disse em crónica anterior.
Tal como Feltrinelli, seu amigo, colega, camarada e concorrente, soube construir um catálogo e juntar um conjunto de autores que ainda hoje faz do seu nome um sinal de qualidade, apesar de a editora que fundou, em 1933, ter acabado nas mãos do Grupo de empresas de Sílvio Berlusconi.
Mas não foi ele o único a marcar deste modo as gerações posteriores. Antes, na primeira metade do século, o mesmo aconteceu em França com Gaston Gallimard, sobretudo pelas relações peculiares que soube cultivar com o conjunto dos seus autores, representando uma das mais ricas gerações da literatura francesa: Proust, Gide, Valery, Aragon, Malraux, André Breton que, quando jovem, Gaston começou por acolher como simples revisor de provas da editora.
Conta-se que, no inicio da manhã, quando chegava ao escritório, Gaston se isolava e a primeira coisa que fazia era responder demorada e detalhadamente à correspondência dos seus autores. Em longas cartas manuscritas.
Com Malraux, Gallimard obrigou-o a desviar-se das suas longas e loucas aventuras asiáticas e a escrever um livro a tempo inteiro, pagando-lhe para isso uma espécie de salário. Quando terminou, o ainda jovem Malraux (32 anos) trazia consigo o manuscrito de “A Condição Humana”, obtendo com ele o Prémio Gongourt desse ano.
Em 1977, imitando-o de um modo nada modesto, eu próprio faria o mesmo com Maria Velho da Costa, convidando-a a fechar-se em casa durante alguns meses, assumindo os encargos de uma licença sem vencimento no seu emprego habitual, criando as condições para que pudesse concluir o romance “Casas Pardas”, que haveria de ganhar depois o Prémio Cidade de Lisboa desse ano.
Um editor, costumava repetir Siegfried Unseld, o prestigiado editor de Surhkamp falecido em Outubro do ano passado, é aquele que é capaz de desbloquear energias, de animar, promover e fazer viver a literatura da sua época.

Publicado no DNA de 08.03.2003

quarta-feira, dezembro 24, 2003

 
139 - NATAL DE 2003, 2


No Natal, ao menos, convoquem-se os poetas.

David Mourão-Ferreira,
"LADAINHA DOS PÓSTUMOS NATAIS",
in Cancioneiro de Natal
incluído em "Obra Poética 1948-1988"


Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que se veja à mesa o meu lugar vazio

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que hão-de me lembrar de modo menos nítido

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que só uma voz me evoque a sós consigo

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que não viva já ninguém meu conhecido

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem vivo esteja um verso deste livro

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que terei de novo o Nada a sós comigo

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem o Natal terá qualquer sentido

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que o Nada retome a cor do Infinito


(poema redigido em 1979, segundo informação de
Teresa Martins Marques)