terça-feira, novembro 25, 2003

 
136 - 25 de Novembro de 1975

De um dia para o outro fica-se mais velho.
Recordo o mesmo dia de aniversário, 28 anos antes, em casa da Maria Velho da Costa, com o João Cravinho, o João César Monteiro, não sei quem mais. As dúvidas, a falta de informação, os boatos chegando minuto a minuto, a desorientação. Ainda nem sequer havia telemóveis, nem Internet, nem canais de rádio e televisão com notícias em directo, os telefones fixos não funcionavam. Havia que ir para a rua, a pé, para viver as notícias em directo.
Leio alguns dos blogues que, poeticamente, decidiram referir-se a essa data.
Lembrei-me que, na altura, as coisas foram bastante mais prosaicas.
E que, por longuíssimos momentos, não soubemos de facto o que poderia vir a acontecer.

domingo, novembro 23, 2003

 
135 - RUY BELO


Encontrei a transcrição deste poema de Ruy Belo (um dos meus poetas de cabeceira e amigo saudoso), no blogue Ford Mustang (um blogue excelente, feito por um preguiçoso, como eu. Os que gostam de ler poesia experimentem percorrer As Tormentas).
Aqui deixo então este belo poema do Ruy, para tentar ampliar a leitura proposta por Hugo do Ford Mustang.
Não conferi o texto mas confio na transcrição de Hugo.
O poema Vat 69 está incluído no livro Homem de Palavra(s), publicado pela primeira vez em 1970, pela Dom Quixote, e agora disponível na edição da obra poética completa do autor, Todos os Poemas (2000, pag. 217), da editora Assírio & Alvim.
Aproveito para referir a quem transcreve textos nos seus blogues (ou refere quadros, cds, vídeos, dvds, etc.), que não custa nada fazer isto: indicar as fontes correctas e completas. Poucos o fazem, mesmo os mais responsáveis, aqueles que têm livros ou artigos publicados, que exercem crítica, trabalho universitário, jornalismo, etc.
É uma questão de rigor e educação.

RUY BELO:

VAT 69

Era depois da morte herberto helder
Ia fazer três anos que morrêramos
três anos dia a dia descontados no relógio
da torre que de sombra nos cobriu a infância:
rodas no adro — gira a borboleta que se atira ao ar
o jogo do berlinde o trinta e um pedradas
nas cabeças nos ninhos nas vidraças
Foi quando verdadeiramente começou
a conspiração dos líquenes cabelos e avencas
na mina onde molhámos nossos jovens pés
e tirámos retratos pra morrer mais uma vez
Os nossos filhos — nós outra vez crianças —
comiam e gostavam das laranjas essas mesmas laranjas
que mordemos em tempos ao chegar nas férias de natal
no quintal que as máximas mãos deixaram já depois abandonado
Era a seguir à morte meu poeta
era na meninice havia festa e na sala da entrada
pensávamos na morte — nunca mais — pela primeira vez
Trincávamos cheirávamos maças no muro sobre a praia
roubávamos o balde ou íamos atrás do homem dos robertos
Era nas férias havia o mar e íamos à missa
ouvíamos a campainha e o padre voltava-se pra nós
—orate frates — ou íamos ao cemitério apesar do catitinha
Era depois da morte sobre a plana infância
o primeiro natal o cheiro do jornal
lido na adega ou na casa do forno
sentados pensativos sobre a terra húmida
Era na infância o sol caía enquanto água corria
entre os pés de feijão e os buracos de toupeiras
calcados prontamente pelas botas
soprava o vento e vinha a moinha da eira
o cão comia o bolo e morria debaixo da figueira
e teria sepultura com enterro e cruz e muitas flores
Havia casamentos o meu pai falava
e os noivos deitavam-nos confeitos das carroças
E os registos mistério tempo da prenhez
Era talvez no outono havia asma
havia a festa da azeitona havia os fritos
ao domingo havia os bêbados estendidos pelas ruas
havia tanta coisa no outono havia o cristovam pavia
Era a primavera o rio rápido subia
os barcos navegavam entre a vinha
e alastrava a sombra e a tarde adensava-se
num espesso e branco nevoeiro de algodão
noite dos candeeiros sombras nas paredes
e minha mãe pegava na espingarda ia à janela
e ouvia-se o chumbo no telhado lá ao longe
O leovigildo o marcolino o sítio do miguel
a sesta a monda das mulheres
a queda do bizarro exposto na igreja
isso e o almoço a saber mal
quando vinham da escola pra saber significados
Eram as despedidas de coelhos e galinhas antes das viagens
Eram as festas era o roubo dos melões
era a menstruação oculta da criada
Era talvez em tempos de tormenta
havia ferros entre a palha por baixo da galinha
que chocava os ovos dentro de um velho cesto
eram as nossas casa em adobe
e era o carnaval os bailes os cortejos
Íamos para a praia e eu lia camilo
ouvia o mar bater sem conseguir compreender
como podia estar ali se tinha estado noutro sítio
Era o tempo dos primeiros amores
eu via o pavão adoecia e só muito mais tarde lia
o trecho que me competia entre as amadas raparigas
A casa não ficava muito longe dos montes
não havia a cidade nem os outros
punham ainda em causa o meu reino de deus
senhor de tudo o que depois não tive
Era depois da morte ou era antes da morte?
Mas haveria a morte verdadeiramente?
Lia o paulo e virgínia chorava e perguntava
se tudo aquilo tinha acontecido
Era o meu pai era esse sonhador incorrigível
sem nunca mais saber que havia de fazer dos dias
Eram as folhas novas eram os perdigotos
saídos não há muito ainda da casca
Era era tanta coisa
Seria realmente após a morte herberto helder

sábado, novembro 22, 2003

 
134 - UM POUCO DE SILÊNCIO...

Correm rumores de algumas alterações nos programas culturais de alguns orgãos de comunicação social: rádios, jornais, principalmente televisões. Fala-se de novos programas, de novos responsáveis, de novos críticos literários.
Alguns nomes são interessantes; outros deixam-nos perplexos.
Relativamente a estes últimos, os tais "novos críticos literários que nos deixam perplexos", apetece perguntar como se fez há alguns anos atrás: como é possível ser-se critico literário sem gostar de livros? Como é possível comentar obras alheias quando apenas se sabe olhar para o próprio umbigo, ou melhor, nem sequer se sabe "olhar bem" para o próprio umbigo?
Vejo nestes rumores, além do mais, alguma promiscuidade, uma espécie de pequena máfia das letras, nascida de recalcamentos visíveis, de bastante ignorância, de vontade de dar nas vistas a todo o custo.
Porque foram escolhidos, então? Porque foram convidados para este papel?
Provavelmente por isso mesmo, para dar nas vistas, para nos matraquear com polémicas inúteis, para provocar ruído, para tentar suscitar boas audiências entre os companheiros da mesma rua.
Pobres dos livros que, afinal, talvez ambicionassem apenas (depois do que têm passado...) um pouco de silêncio e de recato.

quinta-feira, novembro 13, 2003

 
133 - JOHN LE CARRÉ


John le Carre's most recent book, "The Constant Gardener," (O Fiel Jardineiro, na tradução portuguesa da DQ) is being made into a movie starring Ralph Fiennes by Focus Features, who have tapped Fernando Meirelles to direct. The story is of an English diplomat in Kenya who investigates the dark doings behind the murder of his idealistic wife. It's currently a Pocket Books paperback; le Carre's next "Absolute Friends", (que a Dom Quixote publicará na rentreé de 2004) is appearing from Little, Brown in the new year.
PW Rights Alert, November 11, 2003

sábado, novembro 08, 2003

 
132 - DIZ O MINISTRO...

Diz o Ministro Morais Sarmento que "a concentração de empresas de media não é, por definição, nem boa nem má".
Pois.
Deve ser assim, assim...
 
131 - EUROPOL

Após a publicação do seu livro, o convite dirigido pelo Governo e pela Procuradoria-Geral da Répública a Maria José Morgado (Expresso e Público de hoje), para que assuma em Bruxelas um dos lugares de direcção da EUROPOL (a polícia europeia), que significado tem?
Um castigo? Uma forma de afastamento? Uma reprimenda velada? Um doce envenenado?
Mais um sinal do país em que vivemos?
Fez bem em recusar, Maria José Morgado.
Continuaremos assim a tê-la atenta às questões nacionais, que muito trabalho têm ainda por fazer.

quinta-feira, novembro 06, 2003

 
130 - O IMPOSTOR...

Nelson Rodrigues sobre o escritor António Callado, autor de, por exemplo, o romance Quarup:

Não estou falando do Callado político, do Callado ideológico. Esse é o anti-Callado, a negação do Callado. Usa os ternos, as gravatas, sapatos e sorrisos do Callado. Mas é um impostor. O puro, o legítimo, o escocês, é o Callado amigo, o Callado escritor, o Callado estilista, o da boa metáfora, o da frase perfeita. E, sempre que o vejo fazer um julgamento político, tenho vontade de dizer-lhe:
- "O Senhor não é Callado coisa nenhuma! O senhor se finge de Callado! Retire-se!".


Que bem se poderiam adaptar estas frases em Portugal...

 
129 - DOIS COMENTÁRIOS...


O primeiro para A Montanha Mágica, que põe à discussão a questão da adaptação cinematográfica de obras literárias, a propósito do meu post que incluía a informação de que Philip Roth pretende que o seu romance “The Human Stain” não seja associado ao filme de Robert Benton, que proximamente estreará entre nós.
Por mim tenho a questão resolvida há muito tempo, provavelmente de um modo simplista: o livro e o filme são obras distintas, usam suportes diferentes, linguagens autónomas, implicam dos seus autores um trabalho não comparável.
Digamos que o livro pode inspirar o filme, o que às vezes nem acontece - os especialistas poderão dar-nos exemplos.
Eu não me preocupo com a questão: não me incomodo quando o filme se desvia do livro, assim como não me entusiasmo por seguir de perto a narração.
Tenho pouco para dar a esta conversa. Infelizmente.

O segundo comentário é para o Francisco. Eu não disse que “sonho com”; disse que “ambiciono que”. Parece a mesma coisa, mas não é. A segunda expressão tem uma determinação que não gostaria de pôr de lado. Ou seja: precisamos de insistir, precisamos de continuar a chamar a atenção para o logro que representam os actuais alinhamentos dos telejornais. Logro, mentira, oportunismo, manipulação – não sei bem que palavra usar.

quarta-feira, novembro 05, 2003

 
128 - AINDA AS VIAGENS

Duzentos e trinta mil euros ficaram por devolver - diz hoje o Público, ainda sobre o arquivamento dos processos instaurados aos senhores Deputados.
E somos nós, depois, os pequenos contribuintes, quem anda a fugir aos impostos e a prejudicar as finanças do país...
Mas não critiquemos os Deputados. Não vá dizer-se que estamos a contribuir para o agravamento da má imagem da classe política.

terça-feira, novembro 04, 2003

 
127 - ARQUIVO DE VIAGENS

Souto Moura arquiva processo de viagens de Deputados - informa hoje o Diário de Noticias.
Parece que umas cartas bastaram para esclarecer o assunto, ao fim deste tempo todo, quando quase o tinhamos esquecido.
Faz-me lembrar aquela anedota do juiz de Alcobaça que, quando lhe perguntavam pelo andamento de determinado processo, respondia invariavelmente: está a seguir o seu curso normal...
Deitava-os ao rio, claro.
É assim.
Arquiva-se. Fica o assunto esquecido.
É aliás uma excelente oportunidade para apaziguar os Deputados.
Aguardemos qual o "curso normal" dos restantes...

segunda-feira, novembro 03, 2003

 
126 - ANTÓNIO ALÇADA BAPTISTA

Eu acho que aprendi sempre muito com o António Alçada Baptista.
Desde a sua Peregrinação Interior (1971), passando pela colaboração em O Tempo e o Modo, pela herança que dele recebi nos anos em que dirigi a Moraes Editores, sucedendo ao Pedro Tamen, até às suas crónicas e livros actuais.
Com o António aprende-se sempre. Mesmo só conversando. Mesmo só ouvindo-o falar.
Este tempo já não é o meu - diz ele agora ao “JL”.
Não tenho nada a ver com o que são hoje as relações entre as pessoas, a cultura, a política...
Quem é que não sente isto, hoje?
Ele di-lo com desgosto, suponho. Nós também.

 
125 - AINDA O LIVRO DE MARIA JOSÉ MORGADO

O livro de Maria José Morgado sobre a fraude e a corrupção em Portugal, colocado nas livrarias na sexta-feira passada, chega a hoje, segunda-feira, com os seus 12.000 exemplares praticamente esgotados.
Mesmo atravessando a situação negativa de sábado ter sido feriado; e grande parte das livrarias tradicionais, em todo o país, estarem portanto encerradas.
Vamos reimprimir mais 10.000 exemplares.
Quer isto dizer que se a comunicação social concedesse (regularmente) maior atenção aos livros de facto importantes, se os escolhesse a eles em vez de a outros temas menores, melhor sorte teriam os livros, melhor qualidade de informação teríamos todos nós.
Digo isto, também, relativamente à literatura.
Ambiciono o dia em que um telejornal possa abrir com a informação: foi hoje publicado um novo romance de um autor português... em vez do habitual “mulher esfaqueia marido por razões passionais...

 
124 - LIVROS

Os meus colegas de profissão deixaram-me para aqui a cantar sozinho. Reparo que o Oceanos (blogue de um editor) e o Bicho Escala Estantes (blogue de um livreiro) têm perdido o pio.
Sintoma da crise do livro, que lhes não deixa tempo? Cansaço? Pressão do trabalho do fim de ano?
Não é que a minha assiduidade seja exemplar. Mas lá procuro ir andando, no meio de jornalistas e outros comentadores mais regulares, falando disto e daquilo, exercitando aquela máxima do meu amigo Carlos Araújo, de que um editor “é um técnico altamente especializado em ideias gerais”.
Ou seja: alguém que não resiste a meter o bedelho onde nem sempre é chamado.

sábado, novembro 01, 2003

 
123 - NOVAS PROFISSÕES

No fim-de-semana, com a bateria de jornais, chegam aos quiosques aquelas revistas só com fotografias e legendas, quase sem texto. Confesso que às vezes não lhes resisto. Mas fico abismado.
Há gajos que "vendem" tudo.
Exibem-se a si próprios, às mulheres e namoradas, aos filhos, aos cães, aos gatos, aos periquitos, vendem imagens dos casamentos, dos divórcios, dos baptizados, da gravidez, das férias, das criancinhas acabadas de nascer, das casas, dos aniversários…
Que ganharão com isso? Dinheiro? Notoriedade? Favores? Umas viagens ou férias pagas? Uns vestidinhos emprestados para umas festas ou para encenar umas fotos? Uns trabalhos de cabeleireiros, esteticistas, umas horas de ginástica ou de massagens? Uns convites para jantarinhos ou umas festas? Puro exibicionismo?
Ele há cada nova profissão…
Dizia uma, há dias, a meio de um telejornal:
- Que é que pensam…eu trabalho muito.
Pagará impostos? Ou viverá de trocas directas?
Meio país de tanga e deprimido, assiste ao outro meio que se diverte com tolices.