quinta-feira, agosto 07, 2003
083 - O IVA NOS LIVROS
Continua a falar-se com frequência nos produtos que têm IVA, e naqueles que estão isentos dele.
Nesta última categoria estão incluídos, por exemplo, os lugares cativos nos novos estádios de futebol - isentos de IVA devido a uma sinuosa equiparação a arrendamentos urbanos... Eu ter um lugar cativo num estádio de futebol é assim, para o Fisco, o mesmo que eu ter arrendada a minha habitação permanente.
Legislação produzida pelo PS, diz o PSD.
Boa oportunidade para deixar aqui arquivado este texto sobre o "IVA NOS LIVROS" (in DNA de 02.11. 2002):
Si la minoría que lee dejara de hacerlo, la atmósfera se volvería irrespirable. (...)
El lector es una especie de funcionario que hace un servicio público a su comunidad. (...)
Y no sólo no cobra por ello, sino que paga impuestos. (...)
J.J.Millás
Antes de partir para as suas férias de Verão, o meu amigo Jordi Nadal (um excelente editor temporariamente retirado do oficio) distribuiu, com um pedido de apoio ao tema, um impressionante texto de Juan José Millás (El País, 26.07.02) sobre a velha questão do IVA nos livros.
A questão do IVA de facto não é nova, mas creio que vale a pena explicá-la. Sobretudo ao Governo, ou aos sucessivos Governos, a ver se entendem de que modo se pode estar a pisar os próprios pés.
O IVA é um imposto que aumenta o preço dos livros em mais 5% do que aquele que os editores estabeleceram como razoável para a venda dos seus títulos. Este imposto é pago, inteirinho, pelos compradores de livros: os leitores, as bibliotecas publicas e privadas, as escolas, os professores e os investigadores, os cientistas, os estudantes, todos aqueles que utilizam o livro para estudo e trabalho ou como forma de enriquecimento pessoal ou profissional.
Não há outro uso para os livros a não ser este: serem lidos. Não se pode comê-los, não se pode sair à rua com eles vestidos, não nos podemos ornamentar com eles, só os podemos ler. O IVA, portanto, enquanto imposto sobre o consumo dos livros, é na prática um imposto sobre a leitura.
Como se sabe, o sector editorial, contrariamente a muitos outros sectores, trabalha sem números ou estatísticas, apesar do Estado, através do IPLB (Instituto Português do Livro e das Bibliotecas), ter entregue à APEL (Associação Portuguesa dos Editores e Livreiros), com essa finalidade mas sem quaisquer contrapartidas visíveis, mais de 700.000 euros (150 mil contos) durante os últimos cinco anos.
É o que se chama um dinheiro mal entregue e mal usado... porque do seu gasto, em cinco anos, nada de útil se obteve.
Mesmo sem estatísticas, é no entanto possível estimar que o Estado arrecada anualmente com este imposto sobre a leitura cerca de 25 milhões de euros, valor que (teoricamente) seria suposto ser re-utilizado como instrumento de dinamização da leitura, da produção de novos títulos ou de apoio a iniciativas editoriais relevantes.
Mas não é, como se sabe.
Quer isto então dizer que, ao arrecadar tão significativo valor sem investir nada de semelhante em qualquer destas iniciativas, o Estado está a taxar injustamente a formação cultural e profissional dos portugueses, o seu acesso à leitura, o seu desenvolvimento intelectual.
Quer dizer: o Estado não gosta que os portugueses beneficiem do desenvolvimento, da formação, da cultura. Mais ainda: acha que isso não tem para ele o menor interesse. Por isso “castiga” quem lê.
Ultimamente tem-se falado muito da questão da produtividade. Dizem os senhores Ministros e até o Presidente da República, que a produtividade dos portugueses é inferior à dos trabalhadores europeus, que é muito baixa, que tem de subir – inventando logo, para corrigir a situação, algumas medidas de controlo.
Eu costumo dizer, ao contrário, que a questão da produtividade se resolve com a formação, com a cultura, com a informação, com a leitura, enfim. A grande diferença entre nós e os outros cidadãos europeus é que, apesar de baixas, as suas taxas de leitura e de compra de livros são já bastante superiores às nossas.
Não tenham duvidas: entre um carpinteiro que lê e um carpinteiro que não lê, a diferença é um abismo; entre um estudante com hábitos de leitura regular e um estudante que os não tem, a diferença de capacidade de aprendizagem é imensa; um engenheiro que lê distingue-se de outro que não lê pela sua capacidade de adaptação às novas tecnologias, pela sua criatividade; o mesmo se passa com um ministro, um político, ou qualquer outra profissão ou actividade. Veja-se, por exemplo, a diferença das respectivas capacidades de expressão quando os vemos na televisão ou a falar em público.
A leitura é uma das mais importantes chaves do desenvolvimento.
Daí que possa dizer-se que taxar o acesso à leitura e ao consumo de livros, com um imposto que permanece como uma receita líquida do Estado (porque a sua colheita não é aplicada, em termos quantitativos similares, no incentivo ao seu crescimento), significa dificultar e atrasar um mais rápido desenvolvimento do país.
Vários países europeus já compreenderam isto há muito tempo, reduzindo ou passando a utilizar a taxa zero sobre o consumo dos livros. Isto porque os seus Governos acabaram por reconhecer quanto os seus países já beneficiam com o acto de desenvolvimento da leitura, e com tudo o que ela contribui para o enriquecimento pessoal e social dos seus cidadãos.
Que seria inútil e injusto “castigar” ainda mais aqueles que lêem...
Nesta última categoria estão incluídos, por exemplo, os lugares cativos nos novos estádios de futebol - isentos de IVA devido a uma sinuosa equiparação a arrendamentos urbanos... Eu ter um lugar cativo num estádio de futebol é assim, para o Fisco, o mesmo que eu ter arrendada a minha habitação permanente.
Legislação produzida pelo PS, diz o PSD.
Boa oportunidade para deixar aqui arquivado este texto sobre o "IVA NOS LIVROS" (in DNA de 02.11. 2002):
Si la minoría que lee dejara de hacerlo, la atmósfera se volvería irrespirable. (...)
El lector es una especie de funcionario que hace un servicio público a su comunidad. (...)
Y no sólo no cobra por ello, sino que paga impuestos. (...)
J.J.Millás
Antes de partir para as suas férias de Verão, o meu amigo Jordi Nadal (um excelente editor temporariamente retirado do oficio) distribuiu, com um pedido de apoio ao tema, um impressionante texto de Juan José Millás (El País, 26.07.02) sobre a velha questão do IVA nos livros.
A questão do IVA de facto não é nova, mas creio que vale a pena explicá-la. Sobretudo ao Governo, ou aos sucessivos Governos, a ver se entendem de que modo se pode estar a pisar os próprios pés.
O IVA é um imposto que aumenta o preço dos livros em mais 5% do que aquele que os editores estabeleceram como razoável para a venda dos seus títulos. Este imposto é pago, inteirinho, pelos compradores de livros: os leitores, as bibliotecas publicas e privadas, as escolas, os professores e os investigadores, os cientistas, os estudantes, todos aqueles que utilizam o livro para estudo e trabalho ou como forma de enriquecimento pessoal ou profissional.
Não há outro uso para os livros a não ser este: serem lidos. Não se pode comê-los, não se pode sair à rua com eles vestidos, não nos podemos ornamentar com eles, só os podemos ler. O IVA, portanto, enquanto imposto sobre o consumo dos livros, é na prática um imposto sobre a leitura.
Como se sabe, o sector editorial, contrariamente a muitos outros sectores, trabalha sem números ou estatísticas, apesar do Estado, através do IPLB (Instituto Português do Livro e das Bibliotecas), ter entregue à APEL (Associação Portuguesa dos Editores e Livreiros), com essa finalidade mas sem quaisquer contrapartidas visíveis, mais de 700.000 euros (150 mil contos) durante os últimos cinco anos.
É o que se chama um dinheiro mal entregue e mal usado... porque do seu gasto, em cinco anos, nada de útil se obteve.
Mesmo sem estatísticas, é no entanto possível estimar que o Estado arrecada anualmente com este imposto sobre a leitura cerca de 25 milhões de euros, valor que (teoricamente) seria suposto ser re-utilizado como instrumento de dinamização da leitura, da produção de novos títulos ou de apoio a iniciativas editoriais relevantes.
Mas não é, como se sabe.
Quer isto então dizer que, ao arrecadar tão significativo valor sem investir nada de semelhante em qualquer destas iniciativas, o Estado está a taxar injustamente a formação cultural e profissional dos portugueses, o seu acesso à leitura, o seu desenvolvimento intelectual.
Quer dizer: o Estado não gosta que os portugueses beneficiem do desenvolvimento, da formação, da cultura. Mais ainda: acha que isso não tem para ele o menor interesse. Por isso “castiga” quem lê.
Ultimamente tem-se falado muito da questão da produtividade. Dizem os senhores Ministros e até o Presidente da República, que a produtividade dos portugueses é inferior à dos trabalhadores europeus, que é muito baixa, que tem de subir – inventando logo, para corrigir a situação, algumas medidas de controlo.
Eu costumo dizer, ao contrário, que a questão da produtividade se resolve com a formação, com a cultura, com a informação, com a leitura, enfim. A grande diferença entre nós e os outros cidadãos europeus é que, apesar de baixas, as suas taxas de leitura e de compra de livros são já bastante superiores às nossas.
Não tenham duvidas: entre um carpinteiro que lê e um carpinteiro que não lê, a diferença é um abismo; entre um estudante com hábitos de leitura regular e um estudante que os não tem, a diferença de capacidade de aprendizagem é imensa; um engenheiro que lê distingue-se de outro que não lê pela sua capacidade de adaptação às novas tecnologias, pela sua criatividade; o mesmo se passa com um ministro, um político, ou qualquer outra profissão ou actividade. Veja-se, por exemplo, a diferença das respectivas capacidades de expressão quando os vemos na televisão ou a falar em público.
A leitura é uma das mais importantes chaves do desenvolvimento.
Daí que possa dizer-se que taxar o acesso à leitura e ao consumo de livros, com um imposto que permanece como uma receita líquida do Estado (porque a sua colheita não é aplicada, em termos quantitativos similares, no incentivo ao seu crescimento), significa dificultar e atrasar um mais rápido desenvolvimento do país.
Vários países europeus já compreenderam isto há muito tempo, reduzindo ou passando a utilizar a taxa zero sobre o consumo dos livros. Isto porque os seus Governos acabaram por reconhecer quanto os seus países já beneficiam com o acto de desenvolvimento da leitura, e com tudo o que ela contribui para o enriquecimento pessoal e social dos seus cidadãos.
Que seria inútil e injusto “castigar” ainda mais aqueles que lêem...