terça-feira, julho 15, 2003
061 - A EDIÇÃO, AINDA
O “nosso sociólogo” João L. Nogueira, do Socioblogue, continua a tentar ajudar-nos a decifrar algumas parcelas da realidade. Pena que, às vezes, de um modo demasiado especializado para o “meio”. Talvez com excessivo arsenal teórico. Mas compreende-se. Era Lacan que dizia: a ciência é árdua...
Desta vez (e fê-lo muito bem), decidiu comentar a actividade da edição.
Pessoalmente fico-lhe grato pela atenção – tão pouca é aquela que normalmente nos dedicam.
Nunca mais esqueci a definição de editor que um dia ouvi do meu colega Carlos Araújo (hoje Terramar), quando ainda trabalhava na Dom Quixote: o editor é um técnico altamente especializado em ideias gerais.
Concordo absolutamente que, na actualidade, “os constrangimentos próprios dos circuitos comerciais” (a distribuição, a comercialização, o marketing, a promoção, a publicidade, os efeitos dos novos media), transformando a “hegemonia de um mercado da oferta para um predomínio de um mercado da procura”, têm causado transformações não negligenciáveis “na actividade quotidiana de editores e escritores”.
Com tudo isto lá se vão as lições dos grandes editores do início do século XX, os Gallimard, os Feltrinelli, os Einaudi, os Siegfried Unseld, etc., para quem a construção e a coerência de um catálogo de autores era objectivo e projecto principal.
Depois deles vieram os chamados “grupos” editoriais com a frieza da sua lógica própria, absorveram quase todas essas editoras “independentes”, laboriosamente construídas por esses editores ao longo de muitos anos. É o tempo do que André Schiffrin chamou de “a edição sem editores”. Ou do “publica-se o que dá”, para poder publicar-se “o que não dá”, já referido pelo meu colega Manuel Alberto Valente.
Esta situação é particularmente séria em países como Portugal onde, para além de um universo de leitores muito reduzido, a evolução das taxas de leitura e de compra de livros continua a ser muito débil. Em países como a Espanha, a França, a Alemanha, a Itália, os livros “que não dão”, dão apesar de tudo um mínimo aceitável - o que permite um equilíbrio mais eficaz e a publicação de um menor número de livros de entretenimento. Em Portugal, não. O que “não dá”, não chega mesmo para coisa nenhuma, na maior parte dos casos. Há que recorrer mais frequentemente ao trash da industria editorial para se poder salvar a coerência e a qualidade de um catálogo.
Adicionalmente, diz ainda João Nogueira num mail que me enviou:
O Textos de Contracapa é, talvez, dos espaços mais «corajosos» no mundo dos blogues. Não deve ser fácil, cálculo, manter o sistema de comentários quando se é alvo de observações tão pouco construtivas e com intenções, no mínimo, nebulosas (já para não falar da linguagem assiduamente violenta, agressiva e ofensiva que parece caracterizar algumas dessas mensagens). Admiro-lhe o estoicismo e respeito-lhe a persistência.
Agradeço as suas palavras amáveis – esta parte da conversa também me interessa e tem uma explicação fácil, julgo eu, não encontro outras razões. Recebo mensalmente na editora uma média de 200 originais que me são propostos para edição. Como se imagina não posso publicar todos, mesmo que todos estivessem em condições de justificar publicação, o que na maior parte dos casos não acontece. Isso deixa, ao longo de muitos anos, um acumulado de mágoas, revoltas, frustrações, expectativas goradas, certamente também de algumas injustiças. Pago normalmente um elevado preço público por isso. Em Portugal, como dizia o meu autor António Lobo Antunes, todo o candidato a escritor se julga imediatamente como um automático candidato ao Nobel. Haverá certamente muito “ajuste de contas” no meio desses comentários. Para além de muita palermice juvenil, evidentemente, como lhe tenho chamado.
Mas há um reverso interessante em tudo isto, de que um dia tenciono falar: num país onde se lê pouco, porque razão existe tão grande número de candidatos a escritores? Num país onde lê pouco, porquê tantos desejam ser lidos? Num país onde se lê pouco, porquê tantos desejam envolver-se nessa enigmática actividade da escrita?
Será que escrevem mas não leem?
Continuaremos, de outra vez.
Desta vez (e fê-lo muito bem), decidiu comentar a actividade da edição.
Pessoalmente fico-lhe grato pela atenção – tão pouca é aquela que normalmente nos dedicam.
Nunca mais esqueci a definição de editor que um dia ouvi do meu colega Carlos Araújo (hoje Terramar), quando ainda trabalhava na Dom Quixote: o editor é um técnico altamente especializado em ideias gerais.
Concordo absolutamente que, na actualidade, “os constrangimentos próprios dos circuitos comerciais” (a distribuição, a comercialização, o marketing, a promoção, a publicidade, os efeitos dos novos media), transformando a “hegemonia de um mercado da oferta para um predomínio de um mercado da procura”, têm causado transformações não negligenciáveis “na actividade quotidiana de editores e escritores”.
Com tudo isto lá se vão as lições dos grandes editores do início do século XX, os Gallimard, os Feltrinelli, os Einaudi, os Siegfried Unseld, etc., para quem a construção e a coerência de um catálogo de autores era objectivo e projecto principal.
Depois deles vieram os chamados “grupos” editoriais com a frieza da sua lógica própria, absorveram quase todas essas editoras “independentes”, laboriosamente construídas por esses editores ao longo de muitos anos. É o tempo do que André Schiffrin chamou de “a edição sem editores”. Ou do “publica-se o que dá”, para poder publicar-se “o que não dá”, já referido pelo meu colega Manuel Alberto Valente.
Esta situação é particularmente séria em países como Portugal onde, para além de um universo de leitores muito reduzido, a evolução das taxas de leitura e de compra de livros continua a ser muito débil. Em países como a Espanha, a França, a Alemanha, a Itália, os livros “que não dão”, dão apesar de tudo um mínimo aceitável - o que permite um equilíbrio mais eficaz e a publicação de um menor número de livros de entretenimento. Em Portugal, não. O que “não dá”, não chega mesmo para coisa nenhuma, na maior parte dos casos. Há que recorrer mais frequentemente ao trash da industria editorial para se poder salvar a coerência e a qualidade de um catálogo.
Adicionalmente, diz ainda João Nogueira num mail que me enviou:
O Textos de Contracapa é, talvez, dos espaços mais «corajosos» no mundo dos blogues. Não deve ser fácil, cálculo, manter o sistema de comentários quando se é alvo de observações tão pouco construtivas e com intenções, no mínimo, nebulosas (já para não falar da linguagem assiduamente violenta, agressiva e ofensiva que parece caracterizar algumas dessas mensagens). Admiro-lhe o estoicismo e respeito-lhe a persistência.
Agradeço as suas palavras amáveis – esta parte da conversa também me interessa e tem uma explicação fácil, julgo eu, não encontro outras razões. Recebo mensalmente na editora uma média de 200 originais que me são propostos para edição. Como se imagina não posso publicar todos, mesmo que todos estivessem em condições de justificar publicação, o que na maior parte dos casos não acontece. Isso deixa, ao longo de muitos anos, um acumulado de mágoas, revoltas, frustrações, expectativas goradas, certamente também de algumas injustiças. Pago normalmente um elevado preço público por isso. Em Portugal, como dizia o meu autor António Lobo Antunes, todo o candidato a escritor se julga imediatamente como um automático candidato ao Nobel. Haverá certamente muito “ajuste de contas” no meio desses comentários. Para além de muita palermice juvenil, evidentemente, como lhe tenho chamado.
Mas há um reverso interessante em tudo isto, de que um dia tenciono falar: num país onde se lê pouco, porque razão existe tão grande número de candidatos a escritores? Num país onde lê pouco, porquê tantos desejam ser lidos? Num país onde se lê pouco, porquê tantos desejam envolver-se nessa enigmática actividade da escrita?
Será que escrevem mas não leem?
Continuaremos, de outra vez.