segunda-feira, junho 30, 2003

 
043 - AINDA O "DOMÍNIO PÚBLICO" E OS "LIVROS BRANCOS"

Gostava de tentar clarificar uma questão que abordei rapidamente no post 035 mas que, pelos comentários recebidos, verifiquei que muitos não entenderam, ou eu me expressei mal.
Trata-se da questão do “domínio público” e dos chamados “livros brancos”.
Os direitos patrimoniais de uma obra literária (os prazos são diferentes para outro tipo de obras) caem no chamado domínio público 70 anos após a morte do seu autor.
Tem-se entendido, genericamente, que a situação de “domínio público” permite que qualquer pessoa, instituição ou empresa, possa publicar essa obra com total liberdade. Não havendo portanto quaisquer encargos em termos de direitos autorais; tãopouco qualquer controlo sobre a genuinidade e exactidão do texto da obra.
Em quase todos os países tem-se verificado a publicação destas obras por supermercados, hipermercados, livrarias, particulares, editores menos cuidadosos - em confronto com outras edições (necessariamente mais caras) efectuadas com cuidadas fixações de texto realizadas normalmente por especialistas universitários.
São o que chamei “livros brancos”, mais graves ainda porque normalmente dirigidos a públicos escolares.
A meu ver, esta interpretação do “domínio público” como uma “balda” total, protege deficientemente os inalienáveis direitos morais do autor (um aspecto decisivo do direito de autor que tem a ver com o respeito devido à sua obra) e o património literário de um país que cabe ao Estado defender e cuidar.
Esta era aliás (se alguns se lembram) a tese defendida por Vasco Pulido Valente no tempo em que exerceu as funções de Secretário de Estado da Cultura, e que tanto incomodou alguns editores: a de que o Estado, através das suas instituições, não pode abdicar de tentar regular o controlo sobre a genuinidade da utilização dos textos caídos em domínio público.
A notícia do “The Wall Street Journal”, por mim citada nesse post 035 vai no entanto ainda mais longe: refere que, para além dos livros em domínio público, os supermercados, as cadeias de livrarias, se preparam agora também para efectuar edições originais, dispensando a intermediação do trabalho e do critério dos editores. Na origem desta iniciativa estiveram certamente as vendas entusiásticas dos Harry Potter e da biografia de Hillary Clinton.
Se eu vendo milhões de exemplares destes livros (pensaram eles) para que preciso dos editores? Além do mais, posso ainda dizer: sem eles o livro pode ser vendido mais barato. Ou ainda: vendendo tantos exemplares destes livros, para que hei-de ocupar espaço com a História, a Sociologia, a Ciência, a Poesia, os novos autores literários?
A saraivada de palermices que recebi como criticas, acusava-me de estar a proteger-me da concorrência.
É verdade.
Mas quando essa concorrência inundar o mercado livreiro apenas com os chamados livros de “alta rotação” (mais os “livros brancos”, mais a “literatura light”) onde vamos depois encontrar quem nos forneça alternativas?
Para que serve um editor? - era a minha interrogação em fim de carreira...


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