sábado, junho 21, 2003
030 - FEIRA DO LIVRO DE LISBOA
Deixo aqui repetido o texto que, sobre o tema da Feira do Livro, hoje (21.06) publiquei no DNA.
Dentro dos temas de edição de que se ocupa este blogue, parece-me uma questão a sublinhar.
Para o ano teremos o Euro 2004 "em cima" das datas habituais de realização das Feiras do Livro de Lisboa e Porto.
Teremos as obras do túnel do Marquês de Pombal (com o Parque Eduardo VII como estaleiro), de que sabemos ainda muito pouca coisa de concreto.
Teremos também, ao cimo do Parque, a montagem de uma estrutura gigante (maior do que a roda que lá esteve), equivalente a um edificío de seis andares, alusiva ao Euro 2004. Julgo que um pavilhão multi-usos com a forma de uma bola.
No meio de tudo isto ficará a Feira ?
Ou será transferida para outro local ?
Em que datas se realizará ?
Se as duas associações do sector e a Camara não iniciarem desde já a preparação e discussão deste tema, esperam-se certamente maiores desconfortos do que os assinalados este ano neste meu texto.
Sugiro a nomeação imediata de uma comissão, com elementos representativos de cada área de responsabilidade, para iniciar desde já os seus trabalhos.
A FEIRA A QUEM A TRABALHA... (DNA 21.06.03)
Encerrou mais uma edição da Feira do Livro de Lisboa. Vale a pena falar dela, como já fiz relativamente à do ano passado. Tanto mais que, este ano, tudo parece ter corrido de modo diferente, segundo a opinião generalizada dos editores e dos autores que dela são protagonistas.
O primeiro sinal surpreendente é que a Feira voltou a crescer em número de participantes – parecendo com isso ignorar a crise do sector tão insistentemente propalada por editores e por livreiros. Vejamos o que se passou este ano.
As principais questões: uma quebra de vendas assumida da ordem dos 30% (em alguns casos muito superior…), relativamente ao ano passado; ausência total de uma direcção central; uma deficiente organização do espaço que, apesar de renovado, não levou em consideração as reais necessidades dos participantes, antes provocando graves distorções entre eles.
As vendas: mais grave do que a queda de vendas em valor absoluto (embora muito significativa), parece ter sido a queda abrupta do número de unidades vendidas. Sintoma de que a crise geral do país (depois dos carros, dos electrodomésticos, do vestuário) chegou finalmente ao nível do preço dos livros (média entre 10 e 20 euros...). Era evidente a retracção, para quem pôde presenciá-la de perto. Desapareceram os grandes leitores, aqueles que aproveitavam a Feira para uma escolha mais ampla e minuciosa. Ficaram apenas os compradores ocasionais, os que andam a passear e funcionam por impulso, ao ver que um escritor está hoje a autografar os seus livros, que este ou aquele título está hoje em livro do dia, etc. Para alguns pequenos editores, o nível de vendas realizado poderá mesmo ter representado um prejuízo (dados os elevados encargos de inscrição, trabalhadores, custo real dos livros e direitos de autor, materiais de promoção, etc.). A Feira foi para eles, provavelmente, não uma ajuda, mas um aprofundamento da crise.
Ausência de direcção: todas as feiras, em todos os países, têm um responsável geral, alguém sempre presente, disponível para resolver o que acontece de imprevisto, para fazer cumprir os regulamentos, para dirimir e orientar os eventuais conflitos. Esta não tinha nada disso. Viveu-se ao abandono, sem ninguém capaz de tomar decisões em cima da hora. Tão-pouco se viram representantes das entidades organizadoras que, quando por lá passaram, o fizeram apenas para cuidar dos seus próprios interesses.
A organização do espaço: deixou-nos perplexos e desorientados, como a toda a gente. Os pavilhões infantis, destinados às crianças e aos pais que as tinham de levar ao colo, eram a última coisa da Feira, mesmo para além do Pavilhão Central, depois da subida de quase todo o Parque Eduardo VII. Cá em baixo, à entrada, a Feira fechava-se ao exterior mediante a colocação de dois enormes e despropositados pavilhões metálicos, estilo contentores, que a escondiam completamente da cidade, como por vergonha. Estes pavilhões (deturpando inteiramente uma bela foto de José Manuel Vasconcelos), tentavam criar um percurso de entrada em oblíquo que, não só deixava para trás e sem visitantes alguns stands de editores como, certamente por acaso, encaminhava o público, directamente, para alguns dos stands dos organizadores.
A implantação no terreno dos stands dos editores sofreu, este ano, também, algumas curiosas alterações. Tendo sido suprimida uma fila de stands junto à relva central do parque, de ambos os lados, foram esses stands intercalados no meio dos restantes, alargando excessivamente o comprimento da Feira e eliminando o espaço necessário aos autores para as suas sessões de autógrafos. Pensaram provavelmente os organizadores que era possível a edição sem autores, que os editores trabalham sem autores, ou então, o que é pior, quiseram afastar da Feira os escritores portugueses e anular o trabalho de quem os publica.
Por outro lado, esta nova disposição dos stands criou ao público dois circuitos de circulação distintos e, como se veio a provar, totalmente desequilibrados em termos do número de visitantes que os percorriam. De um lado, um percurso no meio de duas filas de stands; de outro, junto à relva central, com uma única fila de stands. Por cada 300 pessoas que visitaram a Feira e entraram por este último percurso, 1.300 pessoas escolheram o primeiro percurso para subir. Imagine-se o desnível de vendas potencial entre os editores colocados num e noutro circuito. A situação era de tal modo calamitosa que dispensava comentários: bastava olhar e constatar a diferença.
O Auditório Central sofreu igualmente profundas transformações relativamente ao ano anterior. De um espaço aberto, com paredes em vidro deixando ver um plano geral da Feira, transformou-se num caixote fechado, escuro, irrespirável de calor, forrado a alcatifa preta desde o chão até ao tecto. Que me desculpe a Clara Ferreira Alves mas, mesmo a programação cultural, pareceu-me este ano menos interessante e, sobretudo, com menor divulgação.
A Feira alargou-se em comprimento, já o disse. Mas a instalação sonora manteve a sua eficiência apenas no espaço previsto para o ano passado... provavelmente não havia mais fio disponível. Os sanitários eram escassos e já vi melhores quando a Câmara prepara as suas campanhas para a higiene dos cães; os restaurantes eram lamentáveis; a iluminação nocturna, em algumas zonas, deixaria boquiaberto qualquer técnico da especialidade.
Mas foi tudo mau?
Não, claro, e temos agora mais um ano inteiro para reflectir e voltar a fazer o mesmo, como de costume – agora nas vésperas do 2004. Ou, de uma vez por todas, entregar a Feira a quem de facto seja capaz de a organizar convenientemente. Talvez em diálogo com quem nela trabalha.
Deixo aqui repetido o texto que, sobre o tema da Feira do Livro, hoje (21.06) publiquei no DNA.
Dentro dos temas de edição de que se ocupa este blogue, parece-me uma questão a sublinhar.
Para o ano teremos o Euro 2004 "em cima" das datas habituais de realização das Feiras do Livro de Lisboa e Porto.
Teremos as obras do túnel do Marquês de Pombal (com o Parque Eduardo VII como estaleiro), de que sabemos ainda muito pouca coisa de concreto.
Teremos também, ao cimo do Parque, a montagem de uma estrutura gigante (maior do que a roda que lá esteve), equivalente a um edificío de seis andares, alusiva ao Euro 2004. Julgo que um pavilhão multi-usos com a forma de uma bola.
No meio de tudo isto ficará a Feira ?
Ou será transferida para outro local ?
Em que datas se realizará ?
Se as duas associações do sector e a Camara não iniciarem desde já a preparação e discussão deste tema, esperam-se certamente maiores desconfortos do que os assinalados este ano neste meu texto.
Sugiro a nomeação imediata de uma comissão, com elementos representativos de cada área de responsabilidade, para iniciar desde já os seus trabalhos.
A FEIRA A QUEM A TRABALHA... (DNA 21.06.03)
Encerrou mais uma edição da Feira do Livro de Lisboa. Vale a pena falar dela, como já fiz relativamente à do ano passado. Tanto mais que, este ano, tudo parece ter corrido de modo diferente, segundo a opinião generalizada dos editores e dos autores que dela são protagonistas.
O primeiro sinal surpreendente é que a Feira voltou a crescer em número de participantes – parecendo com isso ignorar a crise do sector tão insistentemente propalada por editores e por livreiros. Vejamos o que se passou este ano.
As principais questões: uma quebra de vendas assumida da ordem dos 30% (em alguns casos muito superior…), relativamente ao ano passado; ausência total de uma direcção central; uma deficiente organização do espaço que, apesar de renovado, não levou em consideração as reais necessidades dos participantes, antes provocando graves distorções entre eles.
As vendas: mais grave do que a queda de vendas em valor absoluto (embora muito significativa), parece ter sido a queda abrupta do número de unidades vendidas. Sintoma de que a crise geral do país (depois dos carros, dos electrodomésticos, do vestuário) chegou finalmente ao nível do preço dos livros (média entre 10 e 20 euros...). Era evidente a retracção, para quem pôde presenciá-la de perto. Desapareceram os grandes leitores, aqueles que aproveitavam a Feira para uma escolha mais ampla e minuciosa. Ficaram apenas os compradores ocasionais, os que andam a passear e funcionam por impulso, ao ver que um escritor está hoje a autografar os seus livros, que este ou aquele título está hoje em livro do dia, etc. Para alguns pequenos editores, o nível de vendas realizado poderá mesmo ter representado um prejuízo (dados os elevados encargos de inscrição, trabalhadores, custo real dos livros e direitos de autor, materiais de promoção, etc.). A Feira foi para eles, provavelmente, não uma ajuda, mas um aprofundamento da crise.
Ausência de direcção: todas as feiras, em todos os países, têm um responsável geral, alguém sempre presente, disponível para resolver o que acontece de imprevisto, para fazer cumprir os regulamentos, para dirimir e orientar os eventuais conflitos. Esta não tinha nada disso. Viveu-se ao abandono, sem ninguém capaz de tomar decisões em cima da hora. Tão-pouco se viram representantes das entidades organizadoras que, quando por lá passaram, o fizeram apenas para cuidar dos seus próprios interesses.
A organização do espaço: deixou-nos perplexos e desorientados, como a toda a gente. Os pavilhões infantis, destinados às crianças e aos pais que as tinham de levar ao colo, eram a última coisa da Feira, mesmo para além do Pavilhão Central, depois da subida de quase todo o Parque Eduardo VII. Cá em baixo, à entrada, a Feira fechava-se ao exterior mediante a colocação de dois enormes e despropositados pavilhões metálicos, estilo contentores, que a escondiam completamente da cidade, como por vergonha. Estes pavilhões (deturpando inteiramente uma bela foto de José Manuel Vasconcelos), tentavam criar um percurso de entrada em oblíquo que, não só deixava para trás e sem visitantes alguns stands de editores como, certamente por acaso, encaminhava o público, directamente, para alguns dos stands dos organizadores.
A implantação no terreno dos stands dos editores sofreu, este ano, também, algumas curiosas alterações. Tendo sido suprimida uma fila de stands junto à relva central do parque, de ambos os lados, foram esses stands intercalados no meio dos restantes, alargando excessivamente o comprimento da Feira e eliminando o espaço necessário aos autores para as suas sessões de autógrafos. Pensaram provavelmente os organizadores que era possível a edição sem autores, que os editores trabalham sem autores, ou então, o que é pior, quiseram afastar da Feira os escritores portugueses e anular o trabalho de quem os publica.
Por outro lado, esta nova disposição dos stands criou ao público dois circuitos de circulação distintos e, como se veio a provar, totalmente desequilibrados em termos do número de visitantes que os percorriam. De um lado, um percurso no meio de duas filas de stands; de outro, junto à relva central, com uma única fila de stands. Por cada 300 pessoas que visitaram a Feira e entraram por este último percurso, 1.300 pessoas escolheram o primeiro percurso para subir. Imagine-se o desnível de vendas potencial entre os editores colocados num e noutro circuito. A situação era de tal modo calamitosa que dispensava comentários: bastava olhar e constatar a diferença.
O Auditório Central sofreu igualmente profundas transformações relativamente ao ano anterior. De um espaço aberto, com paredes em vidro deixando ver um plano geral da Feira, transformou-se num caixote fechado, escuro, irrespirável de calor, forrado a alcatifa preta desde o chão até ao tecto. Que me desculpe a Clara Ferreira Alves mas, mesmo a programação cultural, pareceu-me este ano menos interessante e, sobretudo, com menor divulgação.
A Feira alargou-se em comprimento, já o disse. Mas a instalação sonora manteve a sua eficiência apenas no espaço previsto para o ano passado... provavelmente não havia mais fio disponível. Os sanitários eram escassos e já vi melhores quando a Câmara prepara as suas campanhas para a higiene dos cães; os restaurantes eram lamentáveis; a iluminação nocturna, em algumas zonas, deixaria boquiaberto qualquer técnico da especialidade.
Mas foi tudo mau?
Não, claro, e temos agora mais um ano inteiro para reflectir e voltar a fazer o mesmo, como de costume – agora nas vésperas do 2004. Ou, de uma vez por todas, entregar a Feira a quem de facto seja capaz de a organizar convenientemente. Talvez em diálogo com quem nela trabalha.