quarta-feira, junho 18, 2003

 
028 - OS MEUS LIVROS

Tem razão Pacheco Pereira nos irónicos comentários que faz a um conjunto de depoimentos incluídos no último número da revista Os Meus Livros sobre os livros proibidos pela censura antes de 25 de Abril.
Também já o tinha notado, divertido. Mas não comentei, por preguiça.
Há pessoas que querem "entrar na História" forçando as suas (dela) verdades.
Ou então, não liam tanto, nessa altura, como nos querem fazer crer.
Como se sabe, antes do 25 de Abril, contrariamente à imprensa escrita, os livros não tinham censura prévia. O seu exame era feito à posteriori, já depois da publicação, a não ser que houvesse denuncias ou suspeitas que motivassem outra actuação da Polícia.
Eram então retirados do mercado (livrarias), recolhidos dos armazens das editoras e até mesmo das tipografias que os imprimiam.
Só que esses livros não eram os que estas pessoas candidamente agora mencionam.
Eça, por exemplo, nunca esteve proibido (a Policia não era parva de todo), a "censura" que sobre os seus livros se exercia era uma censura doméstica, de costumes, de carácter religioso fundamentalmente.
A Polícia nunca se atreveu a proibir os seus livros, cedendo às pressões da Igreja. Eça era um símbolo nacional e, além disso, do ponto de vista político, da sua leitura não viria mal ao mundo. Estudava-se no liceu - a prova oral do meu exame de Literatura do 7º ano (no Liceu Camões, com Vergilio Ferreira) foi integralmente sobre os romances de Eça.
Outro caso curioso foi o de "O Dinossauro Excelentíssimo" de José Cardoso Pires, cuja primeira edição era acompanhada pelas famosas ilustrações de João Abel Manta.
Prevendo-se a sua apreensão imediata, o livro foi lançado (intencionalmente) com uma larga distribuição e um grande alarido de imprensa. A sua circulação motivou por isso uma tarde de acaloradas discussões na Assembleia Nacional, com acusações dos deputados à ineficácia da Polícia.
Com tanto espectáculo e publicidade, a Polícia já não se atreveu a retirá-lo do mercado. O escandalo seria maior que os prejuízos da sua circulação.
A Censura sabia bem o que fazia e a quem o fazia, ao contrário do que se relatou depois sobre os "disparates dos coronéis".
Que o digam aqueles que regularmente escreviam na imprensa. O corte de uma simples palavra, às vezes, era-lhes suficiente para nos destruir um texto. Ou, no caso das editoras, duas ou três apreensões sucessivas eram bastantes para abalar a frágil estrutura económica das editoras de então.

Quanto às listas de Marcelo, também é verdade. Como com os seus comentários a livros na TVI. Generosamente, Marcelo Rebelo de Sousa tenta apoiar a divulgação dos livros de autores portugueses. Mas fá-lo no pior dos sentidos, misturando tudo (desde as edições camarárias ou de confissões religiosas aos livros de autores na verdade importantes), denunciando uma forma de leitura apressada, superficial, sem critério. A chamada "leitura de badana", dos textos de contracapa - já agora, para fazer ironia com o título destes textos.
Alguém lhe deveria explicar que não é deste modo que se ganham leitores nem se incentiva a leitura - tal como ele procura explicar aos políticos as suas boas ou más intervenções ou actuações. A leitura não é isto. Nem se pode querer mostrar (por muito pouco que se diga que se dorme) que se leu em média dois ou três livros por dia. Os editores estão-lhe gratos pela sua generosidade e boa intenção - e já lho demonstraram publicamente. Mas esta avalanche de "leituras" só o desdignifica a ele e desorienta os leitores.

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