segunda-feira, junho 16, 2003

 
027 - DAVID LYNCH (2)

Com tantos mails recebidos sobre o assunto, voltemos então ao filme de David Lynch - embora esta conversa tenha um ano de atraso relativamente ao filme, que me desculpem os cinéfilos. Nem sempre se pode dar atenção a tudo, embora se devesse. Na altura da estreia, eu havia assistido, durante um jantar, a uma conversa entre Eduardo Prado Coelho e Inês Pedrosa acerca do filme. Fiquei curioso. Mas acabei por o "perder" no seu circuito normal.
Até agora, confesso, a melhor leitura acabei por encontrá-la nos comentários ao meu primeiro post.
Diz "H", do fordmustang : "um filme (...) feito para ser desfrutado mais do que analisado; feito para ser apreciado na sua componente estética e de caracterização de estados psicológicos de perplexidade, desorientação e de não-retorno, mais do que para estabelecer uma posição ou uma análise racional sobre determinado assunto".
É neste sentido que eu disse que o filme nos ajuda a repensar muita coisa.
Nomeadamente alguma literatura actual.
Lembro-me, por exemplo, do meu autor António Lobo Antunes quando escreveu: "gostava que os meus romances fossem lidos como se apanha uma doença". Referia-se evidentemente aos seus romances deste ciclo mais recente, os que implicam maior trabalho de leitura, nomeadamente ao ainda inédito "Boa Tarde às Coisas Aqui em Baixo" (Outubro/Novembro).
Diz o António: trata-se de um livro em que "regresso" a Angola, sobre o tráfego de diamantes, as pessoas na sociedade angolana actual.
Depois a gente vai ler e o livro não é nada disso. Ou seja: pode até "passar" por este "tema", mas é "sobre" muitas outras coisas. Para o lermos temos de "mergulhar" no texto (como quem apanha uma doença) e deixarmo-nos conduzir por ele. Como se o livro tivesse criado (construído) as suas regras próprias, deixando-nos "entrar" nele se nos entregamos; "recusando-nos" a entrada se o queremos forçar a um único significado, a uma leitura puramente interpretativa.
É assim com a montagem final do que Lynch filmou para Mulholland Drive.
Dadas as suas "ligações" com este tipo de cinema, percebi também por que é que são os leitores mais jovens os mais entusiastas com as obras mais recentes do António, enquanto os leitores da geração anterior (a minha) encontram certas dificuldades com a leitura dos seus romances actuais.
Insisto: vale a pena "reler" este filme, deixarmo-nos conduzir por ele sem fazer grandes interrogações. Como se alguém nos conduzisse pela mão até ao fundo (de quê?), e nós nos deixássemos arrastar, temerosos mas perplexos.
Desculpem as aspas (muitas), que em mim são uma forma de destacar as palavras cujo significado literal se pretende forçar...
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