segunda-feira, maio 12, 2003
004 - HOMENAGEM A ANTÓNIO PAULOURO, Director do Jornal do Fundão
ELE, ANTÓNIO PAULOURO
“Não tenho outro remédio senão esperar a minha vez”
Nós chegávamos madrugada alta, eu e o Vítor Silva Tavares, vindos de Lisboa, para fechar o “& etc.”.
Encolhidos de frio, meninos da cidade grande, pouco habituados à proximidade da serra e às temperaturas cortantes da neve.
O meu velho VW demorava um ror de tempo para lá chegar, curvas e contracurvas por estradas que já não há, cuidados de condutor principiante, a noite e a chuva pesando sobre os nossos ombros.
O Vítor falava o caminho inteiro – era sempre assim. Histórias de escritores, coisas da política, os cortes da Censura que nos haviam estragado os textos, que esta vida não era fácil em tempos de ditadura.
Ele esperava-nos sorridente, com aquele sorriso irónico com que encarava mesmo as coisas mais complicadas, uma ceia quente preparada, os pratos pousados na borda da lareira acesa, a luz ténue da sala, os braços abertos de simpatia e amizade.
Às vezes eu achava que ele tinha um sorriso trocista, que se divertia ternamente connosco, gente de Lisboa, tremendo com o frio que aqui não havia, pouco habituados à frescura da serra, cansados dos maus caminhos de então. Pouco habituados também às investidas da Censura que ele sofria permanentemente, no dia a dia do seu trabalho, sabendo tornear as dificuldades. Com aquela sua coragem que fazia parecer simples as decisões mais complicadas.
- Se há hipótese de os gajos cortarem, pois não se manda o texto à Censura. Responsabilidade minha...
- Não é verdade, “senhor almirante” ? – perguntava-me ele brincando com o meu nome...
- O “senhor director” é quem manda... – respondia eu brincando com o seu estatuto...
E é assim a imagem que guardo dele. Um homem afável e simpático, irónico na linguagem, critico em permanência, corajoso nas atitudes, amigo de muitos amigos que sempre vi admirarem-no.
No dia seguinte, depois do trabalho feito, de um descanso merecido na Estalagem da Neve, íamos passear para a serra. Nós, o José Vaz Pereira, o Fernando Luso Soares, o Mário Castrim, o José Cardoso Pires, o Vergilio Martinho, outros colaboradores do jornal que ele sempre recebia com um bom almoço, vigiado ao longe pelos pides locais preparando o relatório.
O jornal era o centro de tudo, a aposta da sua vida, certamente o único jornal regional que soube juntar à sua volta alguns dos mais importantes escritores e jornalistas de então. Conheço poucos com quem ele não tenha convivido de perto, sempre com afabilidade e entusiasmo, pelos projectos e pelas ideias.
Mas, para além da intervenção jornalística, ele também gostava de literatura. Recordo, já em 1972, o entusiasmo com que promoveu a edição de três plaquetes irreverentes, hoje completamente fora do mercado (Rainhas Claudias ao Domingo, Para já Para já e As Aventuras do Major Bento), respectivamente da autoria do Vergilio Martinho, do Vítor Silva Tavares e de mim próprio. Mais tarde lançadas em Lisboa, no Café Monte Carlo, com os autores fazendo uma sessão de autógrafos com um carimbo.
Em tudo ele colocava a generosidade, a determinação e a coragem, a ironia permanente. Insubstituível, já ouvi chamar-lhe.
O jornal continua, em sua memória, com o mesmo espírito, agora dirigido pelo Fernando Paulouro.
Mas a saudade dele, essa, ninguém nos tira.
(Publicado no Jornal do Fundão em 24.01.2003)
ELE, ANTÓNIO PAULOURO
“Não tenho outro remédio senão esperar a minha vez”
Nós chegávamos madrugada alta, eu e o Vítor Silva Tavares, vindos de Lisboa, para fechar o “& etc.”.
Encolhidos de frio, meninos da cidade grande, pouco habituados à proximidade da serra e às temperaturas cortantes da neve.
O meu velho VW demorava um ror de tempo para lá chegar, curvas e contracurvas por estradas que já não há, cuidados de condutor principiante, a noite e a chuva pesando sobre os nossos ombros.
O Vítor falava o caminho inteiro – era sempre assim. Histórias de escritores, coisas da política, os cortes da Censura que nos haviam estragado os textos, que esta vida não era fácil em tempos de ditadura.
Ele esperava-nos sorridente, com aquele sorriso irónico com que encarava mesmo as coisas mais complicadas, uma ceia quente preparada, os pratos pousados na borda da lareira acesa, a luz ténue da sala, os braços abertos de simpatia e amizade.
Às vezes eu achava que ele tinha um sorriso trocista, que se divertia ternamente connosco, gente de Lisboa, tremendo com o frio que aqui não havia, pouco habituados à frescura da serra, cansados dos maus caminhos de então. Pouco habituados também às investidas da Censura que ele sofria permanentemente, no dia a dia do seu trabalho, sabendo tornear as dificuldades. Com aquela sua coragem que fazia parecer simples as decisões mais complicadas.
- Se há hipótese de os gajos cortarem, pois não se manda o texto à Censura. Responsabilidade minha...
- Não é verdade, “senhor almirante” ? – perguntava-me ele brincando com o meu nome...
- O “senhor director” é quem manda... – respondia eu brincando com o seu estatuto...
E é assim a imagem que guardo dele. Um homem afável e simpático, irónico na linguagem, critico em permanência, corajoso nas atitudes, amigo de muitos amigos que sempre vi admirarem-no.
No dia seguinte, depois do trabalho feito, de um descanso merecido na Estalagem da Neve, íamos passear para a serra. Nós, o José Vaz Pereira, o Fernando Luso Soares, o Mário Castrim, o José Cardoso Pires, o Vergilio Martinho, outros colaboradores do jornal que ele sempre recebia com um bom almoço, vigiado ao longe pelos pides locais preparando o relatório.
O jornal era o centro de tudo, a aposta da sua vida, certamente o único jornal regional que soube juntar à sua volta alguns dos mais importantes escritores e jornalistas de então. Conheço poucos com quem ele não tenha convivido de perto, sempre com afabilidade e entusiasmo, pelos projectos e pelas ideias.
Mas, para além da intervenção jornalística, ele também gostava de literatura. Recordo, já em 1972, o entusiasmo com que promoveu a edição de três plaquetes irreverentes, hoje completamente fora do mercado (Rainhas Claudias ao Domingo, Para já Para já e As Aventuras do Major Bento), respectivamente da autoria do Vergilio Martinho, do Vítor Silva Tavares e de mim próprio. Mais tarde lançadas em Lisboa, no Café Monte Carlo, com os autores fazendo uma sessão de autógrafos com um carimbo.
Em tudo ele colocava a generosidade, a determinação e a coragem, a ironia permanente. Insubstituível, já ouvi chamar-lhe.
O jornal continua, em sua memória, com o mesmo espírito, agora dirigido pelo Fernando Paulouro.
Mas a saudade dele, essa, ninguém nos tira.
(Publicado no Jornal do Fundão em 24.01.2003)