segunda-feira, maio 12, 2003

 
003 - ALGUMAS INTERROGAÇÕES AVULSAS (PRÓPRIAS E ALHEIAS) SOBRE A INDUSTRIA EDITORIAL

No último número da revista Que Leer (Março de 2003) alguém perguntava com razão: “Num país saturado de livros, em que as novidades se contam por milhares, resulta paradoxal que, com frequência, os alunos das universidades não encontrem os títulos que lhes prescrevem os seus professores e tenham de recorrer a fotocópias. Publica-se muito… mas por onde andam os livros importantes?”

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Nos armazéns das editoras? Sujeitos a encomendas pontuais porque não encontram espaço de exposição nas livrarias?

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Ou o “está esgotado no editor” passou a ser a desculpa cómoda daqueles livreiros que não querem incomodar-se a servir convenientemente os seus próprios clientes?

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Os livros converteram-se em produtos de rápida caducidade, perdendo o seu interesse comercial se não são renovados ou substituídos rapidamente, como os iogurtes. A estratégia comercial deveria ajustar-se ao produto, e não o produto à estratégia comercial (José Maria Micó).

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As livrarias transformaram-se em hotéis para uma noite. Nunca foi tão alto o índice de mortandade dos livros recém-nascidos (Idem).

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Uma livraria consegue expor em média, de rosto para cima, nas suas bancadas, entre 200 a 250 livros, em função da sua área de exposição.
Em Portugal, mensalmente, chegam às livrarias mais de 600 títulos novos.
Quanto tempo dura actualmente a exposição de um livro nas livrarias, com o objectivo de chamar para ele a atenção dos seus leitores eventuais?

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Ou quanto tem de pagar um editor para que um livro permaneça exposto por mais tempo na bancada de uma livraria? E nas montras? E junto à Caixa ou outros lugares de destaque?

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E nos expositores das grandes superfícies?

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E para ser colocado nos chamados tops de vendas?

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Para além das despesas de logística (tudo o que envolve o transporte de um livro do armazém da editora até a uma livraria), quanto tem de pagar um editor ao livreiro pelo acto voluntário de aquisição de um livro por um seu leitor? 30% do preço de venda ao público? 35%? 40%?, 45%?, 50%...?

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Consideram os livreiros que qualquer destes valores é insuficiente relativamente ao tipo de serviço prestado? Admitiriam os consumidores que os retalhistas lhes cobrassem valores similares pela aquisição de outros produtos ? 40% a mais por uma alface, uma cenoura, um pepino... que sou eu que escolho e coloco no meu cabaz de compras?

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E quanto tempo demora um livreiro a entregar ao editor o dinheiro recebido de um leitor no acto de aquisição de um livro? Noventa dias? Cento e vinte dias? Mais?

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E a devolver ao editor um livro de fraca rotação? Trinta dias? Quinze dias?

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Actualmente fala-se mais de produtos e conteúdos, do que de livros (Valerie Milles).

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Os agentes literários internacionais já não representam autores, mas apenas produtos. Actualmente, nem os que compram, nem os que vendem, conhecem a realidade desses produtos (Javier Aparício). No mundo da edição cada vez menos os editores, ou os agentes, lêem os livros que comercializam.

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O conceito de exportação tenderá a desaparecer. Com a instabilidade das moedas de alguns países não se pode pensar em exportações (Miquel Alzueta). O importador recebe em dólares os livros enviados pelo editor. Converte o dólar na moeda local para colocar o livro à venda no seu país. Quando recebe o produto dessa venda, a moeda local, convertida de novo em dólar, já não é suficiente para pagar a factura do editor.

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Para um jornalista cultural, falar de um filme, de um disco, de um espectáculo, descrever o seu conteúdo, indicar quem o produziu, quais os seus intervenientes, quanto custa, onde está à venda, etc. é um imprescindível acto de informação perante os seus leitores. Dizer tudo isto de um livro é um favor muito especial que se faz ao editor ou ao autor.

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Se, simbolicamente, um livro custar 1 euro a ser fabricado, se a produção de novidades em Portugal ultrapassar os 10.000 títulos anuais, se de cada título o editor oferecer em média 200 exemplares aos meios de comunicação social, instituições oficiais, depósito legal, etc. – quanto gasta por ano a industria editorial portuguesa para minimamente tentar divulgar a sua actividade? Quatrocentos milhões de escudos. Sem contar com as despesas de envio...

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E quanto pode obter em contrapartida? Um texto semanal, por editora, num órgão de comunicação social? Menos? E aquisições das Bibliotecas Públicas? E das escolares?

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Podem os jornais ligados a editoras e a redes de livrarias organizar com seriedade um top de vendas? E as redes de livrarias ligadas a editoras? Qual a seriedade global dos tops de vendas de livros existentes no nosso país em termos de orientação dos leitores menos informados?

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Que impostos arrecada o Estado com a industria editorial portuguesa? Se as vendas do sector se aproximam dos 500 milhões de euros, quanto representam os 5% de IVA que cada leitor entrega ao Estado no acto de compra de cada livro? 25 milhões de euros.

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E o IRC pago pelas empresas editoriais? E o IRS pago pelos mais de 3.000 trabalhadores do sector, pelos autores, tradutores, desenhadores, fotógrafos, revisores, etc.? E os impostos pagos por todas as áreas adjacentes, industria gráfica e de papel, livreiros, transportadores, armazenistas, distribuidores?

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E que parcela destes impostos é revertida para iniciativas culturais, fomento da leitura, aquisições pelas bibliotecas, representação cultural externa, etc? Para o próprio orçamento do Ministério da Cultura ou do Instituto do Livro?

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O que é o IVA sobre os livros senão um injusto imposto sobre a leitura? Pode um país com tão baixos índices de leitura “castigar” aqueles que lêem? Pode um país tão necessitado de desenvolvimento castigar deste modo quem procura informar-se, formar-se, aceder ao conhecimento e à cultura? Pode um país sem verbas para aquisição de livros através das suas poucas Bibliotecas Públicas, dificultar ainda mais essa aquisição pelas que existem?

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O livro não é um produto cultural que interesse a comunicação, a rádio, os jornais, as revistas, as televisões, as promessas eleitorais dos partidos, as políticas dos governos. No entanto não há nenhum político que não corra para ficar na fotografia ao lado de um escritor premiado. Os autores portugueses têm feito bastante mais pela dignificação da imagem externa do país do que muitos políticos desajeitados.

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Um livro não demonstra a sua qualidade através do seu volume de vendas. Sempre houve livros importantes que venderam pouco. Mas também não devemos desprezar os livros que se tornam mediáticos, como hoje dizemos. Porque eles tiveram, no mínimo, a qualidade de saber conquistar novos leitores. E há que competir com as outras formas de utilização do tempo.

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Ser editor é criar um catálogo (Jorge Herralde). Uma editora que não reimprima sistematicamente o seu catálogo, não tem futuro (Enrique Folch).

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O livro terá que transformar-se, pouco a pouco, num objecto comum da nossa vida quotidiana.

(Publicado no DNA de 19.04.2003)



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